A Dona Antónia viu-me crescer. Em altura, mas também no resto: as borbulhas, o cabelo, a roupa, as companhias, as namoradas, enfim, em coisas tão simples quanto reveladoras como a expressão do rosto quando nos cruzamos com alguém e a educação que lhe dedicamos.
A Dona Antónia é senhora de um outro tempo: aparentemente muito rica (há quem duvide), sempre no cabeleireiro a manter-se loira e volumosa, bem-vestida, anelada e encolarada a preceito, óculos de sol de lentes muito escuras a disfarçar as rugas, sempre preparada para receber o derradeiro telefonema que solicitará a sua presença no Palácio de Buckingham para tomar chá com a rainha. Tem mil criados informais (desde a sua empregada, a Ermelinda, que trata com um misto de companheirismo e desprezo snob, até familiares, amigas e simples conhecidos de propósitos duvidosos) que lhe fazem as vontades e desvontades todas, servindo de chaffeur ou confidente (ou os dois em simultâneo) quando à Dona Antónia bem lhe apetece. Suponho que salivam por receber o seu quinhão em troca (nomeadamente, quando a Dona Antónia passar a fazer companhia aos do lado de lá), mas algo me diz que a montanha, isto é, a Dona Antónia, há-de parir mais ratos do que o contrário.
Viva, Dona Antónia, como está, estou bem meu querido, que bonito que tu estás, se eu fosse da tua idade oh minha nossa casava-me logo, elas andam a dormir ou quê? Já viu oh Ermelinda, e antes de a Ermelinda proferir algo mais substancial do que um tímido gaguejo concordante, já me está a perguntar pelo trabalho, eu com o embaraço do costume e a pressa em me ir embora. Faz sempre questão de me dar dois beijos (mesmo quando timidamente eu os tento evitar), momento em que sinto o perfume e os odores dos cremes todos que a Dona Antónia laboriosamente coloca no início de cada dia (imagino-a a acabar de tomar banho e a gritar pela Ermelinda para lhe vir entregar a toalha e o roupão).
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