Na sala de cinema, então: o contraste-súmula entre o amor carnal, iniciático, de uns (os miúdos que tentam colocar a mão no peito das amigas no escuro da sala, chegando até a confundi-lo com o… ombro), e o amor maduro, na verdade platónico ("Oh Jerry, don't let's ask for the moon, we have the stars…”, a famosa linha que os miúdos ouvem nesse momento, é código para uma relação que, doravante, não deverá galgar os limites da comunhão espiritual), de outros. Os primeiros (os miúdos) não compreendem os segundos (as personagens de Now, Voyager), velhos e novos, preto-e-branco e cores púberes, os vivos não compreendem os mortos, há uma incomunicação total naquela sala de cinema – mas compreenderão mais tarde, quando crescerem (quer queiram, quer não). Vida e ecrã, vai-e-vem (seria a essa reciprocidade que aludia, afinal, o título do filme de César Monteiro?), como sempre. A incomunicação é de tal ordem que Hermie, posteriormente, querendo convidar Dorothy para o cinema, diz-lhe não se importar de ver Now, Voyager novamente – porque, na verdade, não compreendeu nada (aliás, mal o viu, preocupado que estava em aproximar-se da miúda), não percebeu a gravitas que ele carrega. "Vamos ver o filme outra vez?". Ela, mais adulta, mais madura (justamente...), sorri ternamente (não deixa de haver condescendência nesse esgar, próprio de quem já está “uns anos à frente”). "No, thanks": ela já consegue "comunicar" com aquele filme, sabe do que ele trata, percebe como ele é incómodo, sobretudo quando o foi ver sozinha. O escuro é escape, o escuro não é o mesmo das terríveis noites da guerra em que morrerá o seu marido (estamos conversados quanto à guerra e à força: “U.S. ARMY” é a t-shirt que veste o amigo de Hermie, miúdo boçal, grosseiro, animalesco – sim, ainda é só um miúdo, mas…).
Tudo se joga nesta ideia de (in)comunicação, de (in)compreensão de afectos, experiências, prazeres. A capacidade (dela) e a incapacidade (dele) para ver, com-olhos-de-ver (sempre o olhar, claro), Now, Voyager - só a maturidade (isso, o tempo) permite apreendê-lo (e não esquecer o facto de o filme de Irving Rapper ser, todo um ele, um filme sobre o desejo e a libertação). Na carta final de Dorothy, o tempo novamente, sempre ele, agora a servir de almofada, de ampara-quedas (e Dorothy precisará bem mais dele do que o próprio Hermie…): "Dear Hermie, I must go home now. I'm sure you'll UNDERSTAND. There's much I have to do. I won't try and EXPLAIN what happened last night because I know that, IN TIME, you'll find a proper way in which to remember it". Ou outra forma de dizer: "Don't let's ask for the moon, we have the stars"…
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