"A minha paciência dá os seus frutos; sofro menos; a vida torna a ser quase doce. (…) O futuro do mundo já não me inquieta; já não me esforço por calcular, com angústia, a duração mais ou menos longa da paz romana; entrego isso aos deuses. Não é porque passasse a ter mais confiança na sua justiça, que não é a nossa, ou mais fé na sabedoria do homem; a verdade é o contrário. A vida é atroz; sabemos isso. Mas precisamente porque espero pouco da condição humana, os período de felicidade, os progressos parciais, os esforços de recomeço e de continuidade parecem-me outros tantos prodígios que compensam quase a massa enorme dos males, dos fracassos, da incúria e do erro. Hão-de vir as catástrofes e as ruínas; a desordem triunfará, mas também a ordem, por vezes. A paz instalar-se-á de novo entre dois períodos de guerra; as palavras liberdade, humanidade, justiça reencontrarão aqui e ali o sentido que temos tentado dar-lhes. Os nossos livros não desaparecerão todos; as nossas estátuas quebradas serão restauradas; outras cúpulas e outros frontões nascerão dos nossos frontões e das nossas cúpulas; alguns homens pensarão, trabalharão e sentirão como nós; ouso contar com esses continuadores colocados a intervalos irregulares ao longo dos séculos, com essa intermitente imortalidade. Se os bárbaros se apoderarem alguma vez do império do mundo serão forçados a adoptar alguns dos nossos métodos; acabarão por se parecer connosco".
Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar.
Porto, 2018-2019.
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