domingo, 8 de dezembro de 2019

"Depois da cantoria, o intérprete falou sobre o Filho de Deus, cujo nome era Jesus Kristi. Okonkwo, que apenas ficara na esperança de os poder expulsar da aldeia ou chicoteá-los, disse:
– Disseste-nos pela tua própria boca que havia apenas um deus. Agora falas sobre o seu filho. Ele deve então ter uma esposa. – A multidão concordou.
– Eu não disse que Ele tinha uma espoa – explicou o intérprete, de forma pouco convicente.
– O teu traseiro disse que ele tinha um filho – disse o mesmo brincalhão da última vez. – Por isso, ele deve ter uma esposa (…).
O missionário ignorou-o e começou a falar sobre a Santíssima Trindade. No final do seu discurso, Okonkwo estava totalmente convencido de que o homem estava doido. Encolheu os ombros e afastou-se para ir sangrar as suas palmeiras.
Porém, um jovem rapaz fora cativado. O seu nome era Nwoye, o filho primogénito de Okonkwo. Não fora a tresloucada lógica da Trindade que o cativara. Não compreendeu o conceito. Era a poesia da nova religião, algo que penetrara em si até à medula. O hino sobre irmãos unidos na escuridão e no medo parecia responder a uma vaga e persistente questão que ensombrava a sua jovem alma: a questão dos gémeos a chorar no mato e a questão de Ikemefuna, que fora morto. Sentiu alívio à medida que o hino inundava a sua alma ressequida. As palavras do hino eram como gotas de chuva congelada, derretendo sobre a couraça seca da arquejante terra”.



(Quando tudo se desmorona, 1958, C. Achebe)

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