segunda-feira, 25 de maio de 2020

Io la conoscevo bene


(Io la conoscevo bene, 1965, Antonio Pietrangeli)

Filme inebriantemente cinéfilo (mas não aborrecidamente “de tese”), e não apenas por captar o meio podre, de fim-de-festa, do cinema (italiano, mas podia ser outro qualquer), por se ouvirem piadas sobre Ava Gardner e Visconti, pelo facto de a protagonista ter o sonho – o seu único sonho, parece (nem sequer o amor parece habitar esse patamar de desejo e fantasia) – de ser actriz ou passar tardes na sala de cinema. “Io La Conoscevo Bene” constitui também – ou sobretudo – um objecto cinéfilo pela forma como mostra o lado simultaneamente mais cruel, “técnico” e ontológico do cinema: a manipulação, o efeito, la grande illusion. No caso, sentido na própria pele. Depois de fazer uma pequena entrevista filmada para uma revista de cinema como ambicionada forma de finalmente despertar o interesse de algum produtor, Adriana assiste a esse trecho num intervalo entre filmes da sala de cinema a que costuma ir. E o que aí vê é o novo tratamento – hélas, a montagem – que os técnicos deram à gravação, justapondo as imagens (e manipulando a própria velocidade e sequência da imagem) e as suas palavras com o intuito de a ridicularizarem e fazerem dela uma pateta metade alegre, metade “putana” (o estereótipo da actriz de cinema burra e bela). Efeito Kuleshov 2.0 – ainda nem sequer se fez actriz e já provou do pior (do melhor) do cinema. A grande ilusão, a grande humilhação… E vemo-la sair, ainda antes das luzes se acenderem, pela portinhola atrás de si como um animal ferido, o seu movimento de viragem do tronco e dos ombros no escuro toda uma dor de se ver…

Filme, também, “feminista” – pelo menos num tempo em que o conceito (como, pasme-se, todos eles) admitia ambiguidades, segredos, negociações, aporias, até… Filme muito mais “vivre sa vie” do que o dito cujo, e no qual a protagonista sabe e assume, com enorme coragem e tenacidade – qualidades que, dissimuladas pela sua graça e bondade, podem enganar o espectador, fazê-lo ver Adriana como ingénua, quando ela é tudo menos isso… –, que a liberdade, a vontade, soberana e solar, o “saber de si” (até às últimas instâncias…) acarretam, pelas circunstâncias próprias do tempo em que vive, consequências. Sinalagma que Adriana, num movimento que é tão poético quanto honesto, recto, jamais recusa ou escamoteia e, talvez ainda mais importante, do qual jamais se lamenta. Sem nunca abdicar da sua dignidade, ou, pelo menos, da dignidade nos exactos termos que ela – só ela – define. Como quando um zé-ninguém lhe transmite que o actor famoso presente na festa onde ela se encontra a quer levar para casa e Adriana, espantada, recusa. “Que modos são esses? Se quer que eu vá, que venha ele falar comigo”. Adriana sabe que será apenas, como tantas vezes ao longo do filme, uma one-night-stand, chiclete sexual mastiga-deita-fora, mas está de bem com isso (muito provavelmente porque ele é também apenas isso mesmo para ela). A educação, a cortesia, isso, já são outra coisa – ela assim o define.

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