segunda-feira, 24 de agosto de 2020

"Nzinga nunca vira um branco. E quando a informaram que o aniamatanga iria ser o marido, estremeceu. A pele do homem metia-lhe repugnância por a achar desprotegida e propensa a doenças e cheiros. Esse asco, essa antipatia, ficou nela até ao dia das núpcias. Na sua mente o branco não tinha pele.

(...)

- Imagina as carnes desprenderem-se dos ossos?

- É impossível, filha. Ele é pessoa como nós. Não é leproso.
- Ele não é normal.
- Não é doente, filha.
- Não tem pele, mãe.

(...)

- Há que encontrar maneiras - murmurou a mãe, olhando as mulheres conselheiras.

Estas, estupefactas com tal decisão, não conseguiam raciocinar. Para elas seria um privilégio dormir com um homem que se avermelhava por tudo e por nada. O corpo devia ser muito quente, imaginavam. O sangue que enrubescia ao sol o rosto redondo devia palpitar com outra intensidade. O sexo teria o vigor dos felinos e a morosidade extasiante das serpentes nos caprichosos enlaces amorosos. O calor libertado aqueceria como nunca as vísceras insatisfeitas das mulheres que copulavam para a reprodução. Não seriam só os homens a arfar de gozo, pensavam. Com o homem branco o sexo teria a liberdade da natureza animal, e não os sufocados guinchos nas palhotas escuras do sexo nocturno. Elas imaginavam os fios de cabelo feitos lianas enlouquecidas envolvendo os seios, o rosto, a vulva, as coxas, o corpo. Nzinga está doente, pensavam. Está a delirar. Como é que vai imaginar o sexo como um acto de defuntos?"


(Ungulani Ba Ka Khosa, Choriro)

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