terça-feira, 29 de junho de 2021

Gift of Gab (1971-2021)


A música que amamos traz-nos memórias difusas, circunstanciais… Uma tarde nos finais da minha adolescência, certo período muito complicado, uma ida ao mecânico, na Maia… Sozinhérrimo a pensar na vida, nisto e naquilo, nada de jeito (nem toda a misery loves company, como é bem sabido), e a ouvir, num CD copiado (continuo a gravá-los para curtir no carro), o “Nia” dos Blackalicious vezes sem conta…

Gifb of Gab era um dos grandes rappers da cena alternativa da Califórnia – ou seja, um dos grandes rappers americanos. Um rapper já então “em vias de extinção”: lúcido, espirituoso, poético, sábio, bonacheirão… Um tecnicista da rima, também; um dos maiores dos maiores. Quando o hip-hop ainda não era popular por cá e levávamos com o "aquilo é só gajas e bling-bling" (mal eles, ou elas, sabiam que não faltavam gajas a cuspir melhor do que gajos, com ou sem bling-bling), nós pensávamos, silenciosos, em rappers como ele, o tipo de boina e óculos, polos XXL listados, um sorriso e um mic...
“Nia” e “Blazing Arrow” são duas obras-primas do hip-hop americano que tive oportunidade de ouvir apaixonadamente num período intenso de descobertas (ah, e "Infinite" uma das melhores colaborações, aliás uma das melhores canções, da saga "Jazzmatazz" de Guru...); depois, perdi-lhes um pouco o rasto (o “The Craft”, em 2005) e aqui no FB, em 2016, numa das primeiras publicações que fiz (!), dava conta de como o “Imani Vol. 1” me tinha escapado, excelente come-back depois de 10 anos de desencontros criativos e, sobretudo, da doença que tornou a vida de Gift num martírio em anos mais recentes… Para me redimir, fui deixando, nesta e noutra crítica, o seu nome (uma paralela e excelente discografia a solo) e o dos Blackalicious como referências, convite à descoberta…
Quem sabe se teremos um segundo volume de “Imani”. Gift of Gab será, fatalmente, uma nota de rodapé nas historiografias do hip-hop, mas quem anda nisto por amor não só não se cansa, como sabe where the skills are. Rest in Words, Timothy Jerome Parker (1971-2021)


Shallow days, you never wanna
Let a brother be a brother
Fully inner to the outer
Caught up in all them hollow nights
Can't escape cause everywhere that I look
People front and it just ain't right

("Searching", LP Nia, 1999, Blackalicious)

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