quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

I'm So Serious



Daryl Johns (2024), discaço do ano passado que me tinha escapado...

Mk.gee, Bleachers... A melhor década da música (70s) está viva e recomenda-se.


"... And if they lived well, they died well."

Feliz 2025, y'all!

2024 - FLICKS


Walshies (versão local dos Razzies): Vidas PassadasThe SubstanceO Coleccionador de AlmasDias Perfeitos, A Vida Entre Nós (haja ainda alguém com a suprema coragem de fazer um melodrama não com um, mas vários planos das teclas de um piano a tocarem sozinhas!).
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Quando o ano já ia adiantado, demos por nós a constatar que as preferências pendiam todas para filmes americanos (alguém viu Assassino Profissional, por exemplo? Que singela e divertida pérola!). A suprema infâmia, quelle horreur! Ora, findas as contagens, o panorama quase não se alterou, com excepção para dois pequenos-grandes filmes (se bem que The Zone of Interest tenha mão britânica). Quando Chega o Outono: impressionante como com três ou quatro personagens apenas, três ou quatro décors, o inevitável Ozon (esse tipo de realizador médio, pontualmente excepcional, que hoje constitui uma espécie praticamente extinta) saca um filme cheio de nuances e ambiguidades (ou seja, um completo anacronismo neste tempo de histriónicas certezas). Belíssimo e violento filme sobre a maternidade e a culpa, a mulher e o corpo, sim (e é pena que Ozon não se tenha contido na sequência inicial, com a referência, redundante, a Maria Madalena); mas nos antípodas do panfletarismo fast-food da arte “politizada” (muitas aspas) e identitária que enjoativamente domina os nossos dias.

Disso é exemplo gritante The Substance, Barbie-gore sem um pingo de substância que não a sua superficialíssima “mensagem empoderadora” – o rei, de facto, vai nu e não parece haver maneira de se engripar. Como objecto série B, passaria bem (foi o caso de Love Lies Bleeding); como filme solene, sério e autoritário no seu discurso bem-pensante e na sua estilização audiovisual, é uma abjecção (fosse Lanthimos, e não uma mulher, a realizar e uma certa crítica teria destruído o filme, começando pela inexistência de uma única personagem digna desse nome, passando pelo oportunismo e maniqueísmo do argumento e terminando nas grandes angulares exibicionistas e demais truques “Vejam-do-que-sou-capaz-de-fazer-com-a-minha-câmara”). Enfim, é o Cronenberg (e demais retalhos que compõem esta confrangedora manta) que o público social media merece. O mesmo que, não tendo tempo nem paciência para um literato filme de um Rohmer (mas para quê quando se pode partilhar uma story com uma cena de um filme que nunca se viu nem se vai ver? Time is validation!), rejubila com uma coisa como Vidas Passadas (faça-se novo exercício: imagine-se este filme sem o factor “asiático” da diversidade, de resto perfeitamente subdesenvolvido, como tudo neste arremedo de cinema). Num filme em que duas personagens são escritores, e no qual alguém alude aos seus “gostos” em literatura e cinema, não há um único, mínimo que seja, desenvolvimento sobre o que é que pensam, sentem, reflectem, meditam – sobre o que é que, voilà, escrevem – e que esteja remotamente relacionado com os livros saídos de uma qualquer e mui literata mão invisível. Sintomaticamente, fica tudo à mais rasa superfície: uma lombada onde se lê “Macbeth” na mesa da “escritora”; uma “residência artística” cujo único facto conhecível é o de gerar encontros românticos; um livro intitulado “Boner” que o “escritor”, o marido, assina numa… sessão de fotógrafos. São – diz a sinopse – escritores, mas podiam ser engenheiros, talhantes, advogados, carteiros ou influencers. Estranha matemática, esta: se num filme se discutem directa e aprofundadamente livros e ideias (espécie cada vez mais rara e de que nem somos particulares apreciadores), ele corre o risco de ser “pretensioso”; quando a lombada é bastante para o efeito pretendido (pessoas “inteligentes”, “cultas”, num ambiente “intelectual”), o risco é o da aclamação. Está encontrado o novo Aftersun (2022), o triunfo do vazio.

Mas dizíamos…
Bowling Saturne, com o seu protagonista-modèle e o bressoniano vento que souffle où il veut (o lenço esvoaçando na porta do carro, o seu toque no regaço como aconchego maternal, essa a verdadeira carência, e não o sexo, deste pobre diabo), deixou-nos, na sua primeira hora, extasiados como há muito não acontecia. O modo, porém, como o filme se resolve parece resultado de uma abrupta e inusitada falta de imaginação, deixando elementos de interesse pelo caminho e explicitando desnecessariamente outros há muito consolidados. É o caso clamoroso da ilustração, no pior e literal sentido possível, do paralelo entre predação sexual e caça animal, para mais dada através de uma gigantesca projecção em tela de um estabelecimento de bowling decadente e até esse momento carente de qualquer sofisticação tecnológica…

Um desejo e um lamento finais. O primeiro é para que o próximo capítulo de Horizon: An American Saga tenha estreia em sala (à data, as notícias são de que, após a estreia em Veneza, terá sido relegado sine die para o streaming), com expectativa para ver como Costner irá tratar das questões índia e negra. O lamento é acerca de Juror #2 (unicamente disponível no streaming), que não tivemos oportunidade de visionar a tempo do balanço e que, dizem as boas línguas, insiste na funda complexidade de Richard Jewell (O Caso de Richard Jewell, 2019) (quanto a nós, um dos grandes filmes políticos do século XXI). Em qualquer caso – Lamento #2.1 –, o último fruto de Clint Eastwood nunca entraria nestas contas, pois há muito que nos mantemos fiel ao mesmo critério: apenas estreias em sala, o lugar a que os filmes e o espectador pertencem. E não é que “Only in cinemas” se tornou a nova parangona dos distribuidores?…

A melhor cena que vimos em 2024 (ou terá sido esta? A natureza do mal explicada a um filho? Mas e o arco de Chris Moltisanti?…) é bela de várias maneiras e eu proponho uma: ouvir apenas o seu som. Os uivos, as respirações, as palavras, a água. A dor. “Come on, baby… You’re all right, baby? You’re all right, baby… You’re all right…”.

2024 - DISCOS


As minhas escolhas e a escolha colectiva do Ípsilon neste link (onde escrevo sobre “The Collective”, de Kim Gordon): Os melhores álbuns de 2024 - Ípsilon | PÚBLICO

Canção do ano: “sol”, Capital da Bulgária
Ka (Kaseem Ryan) ~ 1972-2024 ~ Rest In Power ~ EVERY NOW AND THEN

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Outros:
Adjust Brightness (Bilal), Coyote (Tommy Richman), The Force (LL Cool J), RICHAXXHAITIAN (Mach-Hommy), Visions (Norah Jones), G.O.D.'s Network - Reb7rth (Rakim), Man Down (Ice Cube), Rough & Ready (Ruthven), The Lotus Child (Che Noir), And Yet Still (Oddisee), Sounds Like Home (King Kashmere), 3 (Abdullah Ibrahim), Golden Age Of Self Snitching (Revival Reason), Richmond Hill (Marco Polo e Masta Ace), Bullets In The Chamber (Arrested Development), Hello I’m Britti (Britti), GAMMA (Gesaffelstein), Gap Year (Laila), This Ain't the Way You Go Out (Lucy Rose), Here in the Pitch (Jessica Pratt), F.U.N. (Slum Village), Why Lawd (Nxworries), Samurai (Lupe Fiasco), Hamra/Red (Charif Megarbane), Bando Stone & the New World (Childish Gambino), STARFACE (Lava La Rue), Kampire Presents: A Dancefloor in Ndola (A.V.), Delusional (Sibb), Oh My God - That’s So me (Okay Kaya), Resonate (Papooz), INBETWEEZER (Jerry Paper), Charm (Clairo), Unomkhubulwane (Nduduzo Makhathini), This, Is Not That (Apollo Brown & CRIMEAPPLE), The Crossroads (Cordae), Dark Times (Vincent Staples), Most Anything of Value (Sankofa), Planet Pearl (Pearls and Oysters), Thesis (Godfather Don), Shadowboxing (Mavi), Soul Burguer (Ab-Soul), Young-Girl Forever (Sofie Royer), Loosies (Amber Mark)