As minhas escolhas para o À pala de Walsh (a nossa lista colectiva aqui) e, abaixo, algumas considerações.
Outros: Babygirl, O Brutalista, Here (Zemeckis), Where To Land, Cão Preto, The Shrouds, Sorry, Baby, Flow, Apanhado a Roubar, The Smashing Machine, Lumière, A Aventura Continua, Keeper, All We Imagine as Light (só visto em Janeiro deste ano).
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Convém lembrar que estamos em pleno fascismo; já não é a sombra do seu regresso, ei-lo em carne e osso. Neste estado de coisas, olhar muito cuidadosamente para o ano que passou e proceder a uma criteriosa escolha de filmes não deixa de possuir algo de fútil ou vão. É com angústia que o digo. E achar que o cinema pode ser um refúgio é algo que, lamento, neste momento não me consola. Por isso, refugiar-me-ei, antes, na objectividade: 2025 foi, de facto, um belo ano de cinema.
Nunca saberemos aquilo (música ou outra coisa? E na primeira hipótese, que música?) que Moses escuta nos headphones (mas será que… ouve mesmo alguma coisa? Ou apenas noise cancelling…?). No que me toca, gosto de pensar que será o ruído de aviões serenamente planando nos céus… Ao contrário do que o título promete, as Hard Truths podem bem não ser sequer aquelas de que as personagens conversam, lamentam, choram. Há um passado demasiado silencioso (secreto?), demasiado determinante, a espreitar.
Uma lição de como fazer um filme político sem ser simplista e panfletário. Desconcertante, comovente: um rapaz perfeitamente des-politizado, um lumpen-estafeta, um “alienado” no sentido marxista, a passar-se por militante político para conseguir asilo num país onde é apenas mais um perfil (nem sequer o dele, apenas mais uma lucrativa commodity) numa app de entrega de comida. Bravíssimo Souleymane; Bravíssimo, Sangare!
Julia Roberts, oh, Julia Roberts! Que filmes poderia ela ter feito, com que realizadores poderia ter trabalhado… Magnífica. Filme de reverberação inusitadamente bergmaniana de alguém que não é conhecido propriamente por saber manejar a gravidade e o silêncio (o melhor filme de Guadagnino desde Call Me By Your Name). Na cena entre Alma e Hank no apartamento à beira-rio (que lugar e que ambiente se ganham com esta aparentemente simples mudança de set, chapeau à direcção de arte!), é como se estivéssemos n’Um Eléctrico Chamado Desejo…
Presence: peça minimal, quase de câmara, com personagens e décors que se contam por uma mão. Teenage angst gótico, glam, em estado puro. Um pequeno grande filme do errático Soderbergh. O melhor filme de Ari Aster desde Hereditary. Não esquecer como tudo começa (primeiríssimo plano): um homem, dentro de um carro, a assistir no telemóvel a um vídeo sobre como convencer parceiros que não querem ter filhos das virtudes da parentalidade. Uma pista: tudo o que se segue com esse homem é, de alguma forma, consequência dessa suprema frustração… Torna a personagem de Phoenix particularmente interessante o facto de não ser, de todo, um trumpista, conspiracionista, um ultra-conservador. Antes um homem-criança (que, inválido, regressará ao ventre), profundamente frágil, perdido. Alguém que não sabe quem é, e que, justamente por isso, pode ser muito perigoso. Há imensos por aí no nosso tempo.
O mais americano dos cineastas não-americanos, Kleber Mendonça Filho é, por estes dias, dos poucos com um sentido tão engenhoso e, mesmo, espectacular de mise-en-scène. Pese embora as fragilidades do argumento, O Agente Secreto é um prazer imenso de se ver. A sequência final, frouxa e desnecessária (muito parecida, aliás, na escrita e na frouxidão, com a de A Vida Invisível de Karim Aïnouz), parece um problema relativamente crónico (Aquarius e o seu risível desfecho).
Eis O Riso e a Faca deste “The Passenger, Profissão: Engenheiro” por terras da Guiné-Bissau, sempre com o seu vermelhíssimo saco de ténis Wilson às costas – sinal de uma irredutível exterioridade ao mundo com o qual se deseja fundir; vermelho como o sangue e o peso histórico que carrega às costas. E como o filme ganharia se tudo ficasse dito com esse saco, dispensando-se os diálogos hiper-didácticos na missão de garantir que a “mensagem” (politicamente simplista) é devidamente passada ao espectador.
Urchin, mas podia chamar-se… The Tramp (os dois termos possuem, originalmente, o mesmo sentido). Bonita a forma como Dickinson subtilmente empresta ao corpo de Mike a mesma graça, a mesma elegante fragilidade (a magreza bailarina), até queerness, de Chaplin (a primeira personagem queer do cinema). Que, pedra de toque, só emergem quando Mike não está under the influence; uma pureza, ou inocência, desvanecendo-se assim que as substâncias tomam conta do seu corpo e impõem uma outra (bravia, musculada) masculinidade. Há, aliás, uma posição corporal característica de Chaplin – sentado, as pernas e os braços esticados, as costas das mãos entrelaçadas pelos dedos, o sorriso envergonhado – que, pelo menos por uma vez, Mike faz sua. A cena em que é seduzido na caravana por Andrea, contra a sua hesitação inicial, é o belíssimo resumo desse amoroso tolhimento do seu corpo.
O Romance de Jim, o resistente gaulês… Que aconteceu ao cinema francês este ano? Tu me manques… Depois do Xavier e do Ramiro de Manuel Mozos, a genealogia prossegue com o Nicolau de João Rosas. Os primeiros 40 minutos de A Vida Luminosa foram das melhores coisas que o cinema nos deu este ano.
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