A notícia das emboscadas feitas a Ramos Horta e Xanana Gusmão que acordou o mundo na segunda-feira chegou-me um pouco mais cedo. Era uma da manhã de segunda quando, às voltas com as partes quentes e frias da minha almofada, me virei de barriga para o ar e com os olhos muito abertos escutei o jornalista da Antena 1 que dava a notícia em primeira mão.
Timor Lorosae, ou Timor Leste, como preferirem, é um país cheio de dificuldades. Mas é também um país com excelentes recursos naturais, com apoios e, mais importante, com vontade e força de crescer, de andar para a frente. Há pois uma grande margem de progresso no no sentido de uma sociedade próspera, solidária e igualitária.
Depois de um percurso lento, penoso e sangrento rumo à independência e à liberdade, Timor é hoje um país que, não tendo a problemática da multiplicidade e conflitualidade tribal e religiosa que existe em numerosos países africanos, continua no entanto a estar dividido. A unicidade da nação continua a estar em causa. E porquê? Porque as sequelas das lutas de poder e interesses são muitas entre os vários antigos líderes dos movimentos clandestinos de oposição à ocupação opressora indonésia. E estão bem vivas. A transição democrática não conseguiu apagar ou contornar estas vicissitudes. E os líderes em causa não souberam, ou não quiseram, pôr de parte caprichos, ambições e querelas antigas e unirem-se em torno do que era fundamental para um país recém nascido: reconstrução, progresso e solidariedade. Por isso mesmo, há Alfredos Reinados e outros que tais. Por outro lado, os actores políticos são os mesmos da libertação. À excepção de alguns partidos e algumas novas caras, as grandes personagens da cena política são as mesmas. E o que isso pode constituir de positivo (experiência, conhecimento no terreno, etc.), tem também um inverso negativo. Neste caso, esse inverso são precisamente as querelas e os confrontos internos. E destes, uns saiem vencedores, outros não. E os que ficam de foram, acabam por desenvolver uma espécie de guerrilha política, assente na desobediência e ataques constantes ao poder político, do qual as tentativas de assassinato de Ramos-Horta e Xanana Gusmão são expoente máximo.
Por outro lado, as forças internacionais instaladas nas ruas de Díli também não souberam, a meu ver, colaborar da melhor forma com as instituições (ou parecido com isso) locais. Quantas vezes se ouvem queixas e gritos de revolta de quem se insurge contra a opressão da polícia australiana ou da ganância das multinacionais petrolíferas australianas, americanas e outras? Quanto à ONU, tem feito o que pode. Nem muito, nem pouco. Acorre aqui, acorre ali, não se conseguindo assumir verdadeira e activamente como elo de ligação entre o poder político timorense, as forças internacionais e o povo.
Xanana Gusmão é um dos meus heróis de infância. Desde que me lembro de acompanhar a causa timorense, por influência do meu pai, sempre admirei a nobreza, a rebeldia, a tenacidade e a vontade do actual Primeiro-Ministro de Timor. Hoje Xanana é um homem diferente. Ou se calhar, hoje é simplesmente um político. Será isso? É evidente que hoje não era de esperar, nem fazia sentido, que Xanana andasse andrajoso e com a barba por fazer de espingarda às costas. Não se trata disso. Mas hoje vejo um Xanana cansado, triste. Numa entrevista sua há já algum tempo para a Única, li as frases de alguém abatido, pouco motivado, e resignado com a burocracia e com o sistema. Sem ideias novas. Acho que o estado de coisas hoje em Timor-Leste passa também por este abatimento de Xanana.
Por sua vez, Ramos-Horta, actual PR, é o que hoje se chama de forma simpática e benevolente de moderado. Está na moda. Nunca percebi muito bem o que isto quer dizer. E mais confuso fico quando este adjectivo é quase sempre utilizado com uma conotação positiva ou meritória. Como se a moderação fosse o remédio para todos os males. Ramos-Horta, como bom "moderado" que é, tem pois dividido o seu tempo em pequenas querelas políticas internas (a mais visível foi com Mari Alkatiri), resultados pouco consistentes ou inexistentes para o povo timorense e ainda mantendo relações muito cordatas e abertas com as potências ocidentais. Coroou recentemente o seu status político recomendando Durão Barroso para Prémio Nobel da Paz... bem, só por estas palavras, quem podia ficar sem o seu Prémio Nobel da Paz era o próprio Ramos-Horta.
Apesar desta leitura pessimista, continuo a acreditar em Xanana e Ramos-Horta como homens capazes de fazer algo por Timor. Especialmente em Xanana, pela admiração que por ele nutro e pelo cargo que ocupa de PM (mais activo do que o de Ramos-Horta no sistema semi-presidencial timorense).
Ramos-Horta e Xanana continuam a ser a coluna mestra da democracia timorense e das suas instituições. Por tudo e mais alguma coisa. Por isso mesmo, temo que o sucesso das emboscadas perpretadas por Alfredo Reinado levaria a uma espiral de violência e instabilidade quase impossível de conter.
Espero que este acontecimento tenha precisamente o efeito contrário: acordar a democracia de Timor Lorosae e todos os agentes e instituições que ela envolve. Para que se vislumbre efectivamente um "sol nascente".
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