domingo, 8 de maio de 2011

o entupimento

fonte: http://aindanaocomecamos.blogspot.com/2011/04/ao-pe-da-letra-133-antonio-guerreiro.html

"Jean Baudrillard, nos seus tempos áureos de cartógrafo e analista do presente, dava este exemplo da “estratégia fatal” dos objetos e da ação que, por excesso, se torna inércia: solicitada a justificar, por suspeita de fraude, as contas anuais que tinha apresentado, uma empresa americana depositou à porta da secção de finanças local um contentor cheio de papéis que, se fossem verificados como estava previsto, entupiriam por longo tempo todos os serviços da secção. A metáfora do entupimento, como sabemos muito bem, aplica-se também a outro exemplo de inércia forçada pelo excesso de mobilidade: as filas de carros parados nas ‘vias rápidas’ para entrar ou sair de uma cidade. Desta forma de entropia, as caixas de comentários dos sites dos jornais são hoje o melhor exemplo: elas foram criadas para alargar a esfera pública mediática, para criar a ágora virtual, apta a realizar as promessas mais amplas da democracia.

Mas o que acontece, afinal? Tão aberto e sem controlo é o espaço que os primeiros a aceder a ele são os que se alimentam do combustível mais forte: os enraivecidos, os despeitados, os ressentidos, os voluntariosos, os tagarelas. Esta gente toda a trocar mensagens e insultos, a disseminar ódios e opiniões, a gritar impropérios e calúnias, ocupa a ágora de maneira tão ruidosa e tão avessa ao “agir comunicacional” que afasta quem, com saber ou racionalidade argumentativa, se dispõe a intervir. A “dialética do Iluminismo”, que Adorno e Horkheimer identificaram na reversibilidade da razão moderna, encontrou aqui a sua realização extrema: uma esfera pública totalmente aberta e ilimitada, exatamente por o ser, redunda no seu contrário; a promessa ‘iluminista’ por excelência torna-se o reino das trevas; e os meios que julgávamos poderem cumprir a promessa de uma sociedade racional tornam-se os instrumentos da barbárie".

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