Os Quatrocentos Golpes (1959), François Truffaut.
"(...) surge então a pergunta: o que está exactamente a ser produzido enquanto diferença que ateste o trabalho específico das imagens da arte sobre as formas da imagética social? Era esta a questão que inspirava as considerações desencantadas de Serge Daney: as formas de crítica, de jogo e de ironia que pretendem perturbar a vulgar circulação de imagens não terão sido, todas elas, anexadas por essa mesma circulação? O cinema moderno e crítico pretendeu interromper o fluxo das imagens mediáticas e publicitárias ao suspender as conexões da narração e do sentido. A paragem na imagem que conclui o filme Os Quatrocentos Golpes, de Truffaut, foi emblemática no que toca a esta suspensão. Mas a marca assim posta na imagem serve afinal a causa da imagem de marca. Os procedimentos do corte e do humor tornaram-se eles próprios a vulgata da publicidade, o meio pelo qual esta, simultaneamente, produz a adoração dos seus ícones e a boa disposição que nasce a seu respeito a partir da própria possibilidade de ser ironizada.
É certo que o argumento não tem um valor decisivo. Por definição, o indecidível deixa-se interpretar em dois sentidos. É então também necessário recorrer discretamente aos recursos da lógica inversa. Para que a montagem ambígua suscite a liberdade do olhar crítico ou lúdico, é preciso organizar o encontro segundo a lógica do face-a-face ostensivo, re-(a)presentar as imagens publicitárias, sons disco ou séries televisivas, no espaço do museu, isoladas por trás de uma cortina em pequenas cabines escuras, que, ao deterem os fluxos da comunicação, lhes conferem a aura da obra. Ainda assim, o efeito nunca está garantido, já que é necessário colocar uma legenda à entrada que explicite ao espectador que, no espaço em que está prestes a entrar, irá reaprender a percepcionar e a distanciar-se do fluxo das mensagens mediáticas que habitualmente o subjugam".
Jacques Rancière, O destino das imagens, Orfeu Negro, 2011, pp. 41-42.
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