quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

 "Em cima da cama da Rainha, (...) onde a loura, frágil inquilina ocupava apenas um cantinho, estava estendida meia dúzia de camisas de noite, diferentes no corte, na matéria do tecido, na intenção moral. A mais aparatosa delas, pesada de textura e com muito realce de bordado, rígida a ponto de se aguentar de pé sem necessidade de suporte, mostrava, a certa altura, um orifício debruado, e por cima, uma cruz encarnada, e esta legenda em letras escuras: 'Vade retro, Satanás'. A Rainha apontou para ela.
- Achas que vista esta? Todos os confessores a aconselham, e sei de algumas das minhas damas que as usam parecidas.
- Com essa rigidez, senhora, será um embaraço tirá-la. Além disso, essa legenda afugenta o mais afoito.
(...)
- E o senhor acredita que Deus se preocupa se o Rei e a Rainha fornicam nus ou em camisa?
O jesuíta fitou-o, perplexo; a seguir perguntou-lhe, ousadamente:
- Excelência, o senhor acredita em Deus?
O Inquisidor-mor sorriu ternamente, mas o seu sorriso transformou-se num esgar triste.
- Há muitos livros escritos sobre Deus, mas cabem todos numa palavra: ou sim, ou não".

(Crónica do Rei Pasmado, Gonzalo Torrente Ballester)

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