sábado, 5 de julho de 2008

mudam os olhos

Neste momento, a moça está junto ao piano a folhear com os dedinhos um calendário. É uma dessas mulheres que causam o espanto geral quando surgem em sociedade. Incrivelmente bonita: alta, cabelo escuro, divinos olhos quase negros, esbelta, seios fortes, maravilhosos. Seus ombros e braços são antiguidade clássica, o pezinho é sedutor, o andar de czarina. Está hoje um pouco pálida; para compensar, os seus lábios pequenos, roliços e escarlates, de contornos admiráveis, entre os quais reluzem como colar de pérolas uns dentes pequenos e regulares, são daqueles que aparecem três noites seguidas nos sonhos - basta olhar para eles uma vez só. A expressão dela é séria e grave. Monsieur Mozgliakov parece ter medo do seu olhar fixo; pelo menos, como que se torce quando se atreve a olhar para ela. Os movimentos de Zina são altivamente desprendidos. Enverga um vestido simples de musselina branca. Fica-lhe bem o branco, tudo lhe fica bem, aliás.
Usa num dedinho um anel entrançado com os cabelos de alguém, e a julgar pela cor não são os da mãezinha; Mozgliakov nunca se atreveu a perguntar-lhe de quem eram os cabelos.


in Um Sonho do Tio, Fiódor Doistoiévski

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