Sustentado com uma carne inocente, satisfeito com pouco, sempre pronto para o voo, impaciente por voar, ganhar voo, eis como sou. Como não havia de ter alguma coisa da ave?
E é sobretudo por odiar o espírito de Gravidade que tenho alguma coisa da ave; na verdade, sou seu inimigo mortal, abonado, jurado.
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Aquele qe um dia ensinar os homens a voar deslocará todas as barreiras; fará saltar todas as barreiras, dará à terra um nome novo, chamar-lhe-á "a Leve".
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É preciso aprender a amar-se a si próprio, tal é a minha doutrina, com um amor total e são, a fim de ficar preso a si mesmo (...).
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E na verdade, aprender a amar-se, não é uma máxima aplicável a partir de hoje ou de amanhã. É, pelo contrário, de todas as artes, a mais subtil, a mais astuta, a arte suprema, e aquela que requere mais paciência.
O que possuímos está-nos sempre sempre escondido; e de todos os tesouros é o seu próprio que todos desenterram em último lugar. Assim quis o espírito de Gravidade.
É quase que desde o berço que nos dotam com palavras pesadas, com valores pesados chamados "bem" e "mal", porque tal é o nome deste património. Pelo preço desses valores, desculpam-nos o facto de viver.
E se os homens deixam vir a si as criancinhas, é para as impedir a tempo que se amem a si próprias; tal é a obra do espírito de Gravidade.
Quanto a nós, arrastamos conscienciosamente aquilo com que nos carregaram, nos nossos duros ombros, para além das rudes montanhas. E quando estamos encharcado em suor, dizem-nos: "Sim, a vida é difícil de levar!".
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O homem é difícil de descobrir, sobretudo quando se trata de se descobrir a ele mesmo. Muitas vezes o espírito mente a respeito da alma. Eis a obra do espírito de Gravidade.
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Na verdade, também eu aprendi a esperar, mas a esperar-me a mim mesmo. E sobretudo aprendi a estar de pé, a andar, a correr, a saltar, a trepar, a dançar. Porque tal é a minha doutrina; se quisermos aprender um dia a voar, é preciso começar por aprender a estar de pé, a caminhar, a corer, a saltar, a trepar, a dançar.
Para aprender a voar não basta um único golpe de asa.
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Tomei por muitos caminhos e servi-me de muitos meios para chegar à minha verdade, servi-me de mais de uma escada para chegar à altura de onde o meu olhar percorre os longínquos espaços.
E foi sempre contrariado que perguntei o meu caminho, sempre isso me repugnou. Prefiro interrogar os próprios caminhos e experimentá-los.
Experimentar e interrogar é a minha maneira de avançar, e na verdade é também necessário aprender a responder a semelhantes perguntas. É esse o meu gosto.
Esse gosto não é bom nem mau, é o meu gosto; não tenho vergonha dele e dele não faço mistério.
"Eis o meu caminho; e vós, onde está o vosso?". É o que responde aos que me perguntam o "caminho". O caminho, com efeito, não existe.
in Assim falava Zaratustra, Nietzsche
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