O À Pala de Walsh iniciou esta semana um importantíssimo dossier sobre a vida e obra de João Bénard da Costa, homem do e de cinema em cujas críticas aprendi muito a ver cinema (porque se aprende, de facto, a ver cinema; na verdade, o olhar é uma função vital cujo desenvolvimento exige treino como qualquer outra, com a agravante de, qual pecado original, estar poluído e maculado pela avalanche, por um lado, de imagens que, paradoxalmente, ninguém sabe ler no mundo actual, e, por outro, pela velocidade dos tempos, cujo reflexo mais pernicioso é o da intolerância das pessoas à reflexão e à contemplação: é um triunfante e perigoso tempo anti-intelectual o que vivemos, em que o gosto está mais padronizado do que nunca e todos os que nele não se enquadram ou que, enquadrando, vão mais além, são "pseudo-intelectuais"; é o que acontece no cinema, mas não só).
O primeiro texto é do Carlos Natálio e o mais recente é do Manuel S. Fonseca, cronista e crítico com quem JBC comandou, durante muitos anos, os destinos da Cinemateca. Não deixem de acompanhar este dossier in-progress.
"Belo é o paradoxo pelo qual o maior crítico português de todos os tempos precisa das aspas para entrar nessa função. Bénard considerava-se “crítico”. A explicação dá-a ele melhor do que ninguém. O trecho é grande mas mais esclarecedor não podia ser: Nunca serei eu a rejeitar a famosa definição baudelairiana de crítica, quando lhe exigia parcialidade e paixão. Nunca serei eu a anateminar terrorismos por estas bandas. Nunca serei eu a defender os jogos perigosos da transparência. Mas precisamente porque sei donde se fala – quando se fala com paixão crítica (dois termos que só não são antagónicos quando são um pelo outros envolvidos) – sempre me afastarei de um texto crítico quando esse secundarizar a elucidação do que critica (a sua plena iluminação) ou a formação do gosto de quem eu quero que goste tanto como eu gosto e que, se possível, goste como eu gosto. Talvez por isso aplique sempre “aspas” ao crítico que outros vêem em mim. Certamente por isso, não desculpo aos críticos o abastardamento do gosto, de que começaram por ser vítimas e acabaram por se fautores. E sobretudo por isso não perdoo que se seja crítico sem gosto, a contragosto ou com desgosto. Com nenhum desgosto aprendi nada. E a aprender a gostar é tudo quanto pedi e peço aos críticos de quem gosto.
(...)
No meio de tudo isto perdia-se o essencial da crítica para Bénard, a formação do gosto que no seu caso começou com a revista Vértice, a Telé-Ciné, mais tarde dos Cahiers claro está. Essa formação ganha requintes platónicos: Aprender para gostar. E até lhes devo [aos críticos] – já noutro nível – que me tenha confirmado o que pressentia, muito antes, noutras dimensões: que é preciso que exista o gosto para haver conhecimento e que se começa sempre por gostar do que não se percebe até se perceber que se gostava porque já se percebia".
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