sábado, 7 de fevereiro de 2015

Walsh #23 As nossas fauxtografias/Nijûshi no hitomi (Sopa de Planos)



A Sopa de Planos de Janeiro, ainda que atrasada, é saborosa como de costume. Para provar ali  ao lado (clicar). O meu contributo:

É uma fotografia da e de escola. A clássica fotografia que a turma, com a respectiva Professora, tira para a posteridade, testemunho de um tempo em que meninos e meninas, entretanto adultos e separados pela vida, aprenderam as primeiras letras (caracteres, no caso), as primeiras contas, enfrentaram as primeiras inseguranças perante o outro, enfim, sentiram, pela primeiríssima vez, uma autoridade (e, espera-se, um aconchego) que não a familiar. É, fatalmente, mais do que um registo fotográfico, um registo de vida, no sentido em que se trata de uma fotografia-despedida, algo a que os alvos da câmara (fotográfica e, aqui, também cinematográfica), embora disso tendo uma ligeira ideia, não atribuem grande importância (com excepção da Professora), porque, afinal de contas, o “futuro” é a próxima brincadeira ali ao lado e a nostalgia não existe para quem o “passado” é meia dúzia de anos de que, sejamos crianças ou adultos, pouquíssima ou nenhuma memória temos. Trata-se de uma fotografia com um propósito muito bem demarcado, se bem que, em rigor, seja esse propósito de toda a fotografia, por mais descomprometida e desprendida que se pretenda (por mais “selfieana”, já agora, que se pretenda): fixar o tempo, “um” tempo, para sempre, contrariar o seu inexorável percurso, afirmar: “um dia, foi assim”. Neste caso, com a particularidade, digamos “idealista”, de fixar a infância, tempo de pureza e inocência – uma fotografia que, em qualquer momento da nossa vida, sempre poderemos retirar de uma gaveta, colocar em cima da mesa e, melancolicamente, desabafar: “lembras-te de quando éramos crianças?…”. Em Nijûshi no hitomi (Twenty-Four Eyes, 1954) de Keisuke Kinishita, porém, a fotografia-despedida promove não só a despedida destes meninos, mas uma bem maior: a despedida do Japão, de um certo Japão, outra forma de assinalar a sensação do “fim de um tempo”, em breve substituído pela guerra e, depois, pela aculturação americana. Contra o esquecimento, a memória, por si só, pode ser escorregadia. Daí a fotografia: lembras-te de quando éramos crianças?

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