Última sopa de planos no À pala de Walsh antes de férias, sobre quadros (clicar).
"Da mesma forma que a acção, em Hitchcock, pode ser espoletada simplesmente “porque sim”, através da verificação de um conjunto de factos que dispensa explicações, também o desenlace e a solução das tramas podem não ter qualquer fundamento plausível – esse, afinal, o registo MacGuffin tão caro ao Mestre inglês. Esta irrelevância ou indiferença pelas causas dos acontecimentos constitui, a bem dizer, uma das marcas do cinema de Hitchcock, muitíssimo visível, aliás, num filme como The Wrong Man (O Falso Culpado, 1957), título que, por sua vez, viria a cunhar, de forma literal, um dos temas hitchockianos clássicos. Se nunca sabemos o porquê do terrível azar de Henry Fonda em ser teimosamente confundido com o verdadeiro ladrão (essa a sua única culpa, a de ser demasiado parecido… com outrem), também nunca compreenderemos a razão para o processo empático através do qual, quando Fonda observa atentamente o quadro de Cristo, se dá, simultaneamente, o milagre, i.e., a acção que levará o verdadeiro ladrão a ser descoberto e preso. Novamente: porquê? O espectador não sabe e, mais importante, o próprio Hitch não sabe, nem quer saber, pois o que lhe interessa é a acção e o papel das personagens no decorrer desta. O milagre, esse, despido de qualquer justificação (afinal, é o que é, um milagre), não terá outro papel senão o de aproximar a culpa hitchcockiana da metafísica (de uma justiça divina, à míngua da terrena, tão falível?) num dos mais graves e austeros filmes da obra hitchcockiana".
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