Acho que foi assim: o tipo era casado, o tempo matou o casamento e ele desapaixonou-se. Saiu de casa, deixaram de viver juntos. Conheceu outra mulher, sentiu-se jovem, renovado e, parece, voltou a apaixonar-se. Passou a viver com essa mulher. Passado uns tempos, a primeira mulher disse-lhe que era altura de tratarem definitivamente do divórcio. Foi ao telefone, ele estava entre duas reuniões e nem precisou de pensar muito: sim, claro, tratamos disso. Afinal, há já muito que fazia vida com outra pessoa, nem sequer sei porque não tratámos disso antes, claro, trata-se já disso. A primeira mulher foi muito diligente a tratar da burocracia, colocando os dois advogados em contacto e intermediando sempre que necessário, o que lhe facilitou muito a vida, porque tudo se passou durante uma fase de trabalho complicada no escritório. Melhor assim, pensou, fica já tudo despachado. Numa terça-feira qualquer desta vida, a primeira mulher telefonou-lhe, estava ele a fazer calmamente o jantar, só para lhe lembrar que seria amanhã o dia da assinatura da papelada. Oh, obrigado por me teres lembrado, sim, naturalmente, vemos-nos lá. No dia a seguir, foi ao escritório tratar duma coisa rápida e depois foi a correr para o escritório do advogado da mulher. Chegou atrasado, já lá estavam todos. Pediu desculpa, mas todos disseram que não havia problema, era só mesmo para assinar, mais cinco minutos menos cinco minutos, que importância fazia, entre cumprimentos de mãos e dois beijos à antiga mulher, que usava um vestido simples mas chique e que também tinha de se despachar para ir à faculdade levantar uns documentos para um congresso em Buenos Aires. Um dos advogados elogiou a cidade, havia estado lá nem fazia duas semanas, ah que bom, porque só vou ter um dia para o congresso e o resto para passear, acrescentou a mulher. Bom, sem mais delongas, vamos lá fechar isto, disse, com bonomia, o outro advogado, e sim, concordaram todos. Sentaram-se os quatro e os advogados colocaram os papéis a circular. Várias folhas A4, perfeitamente alinhadas, à sua frente. Sentiu uma indisposição súbita no estômago. Pediu desculpa, mas tinha de ir à casa de banho, tinha vindo a correr. Saiu da sala de reuniões e foi à casa de banho. Telefonou à irmã e chorou como um menino. Estava nostálgico e não queria divorciar-se.
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