segunda-feira, 20 de abril de 2020

com os velhos nunca se sabe o que esperar. 32 anos de existência, a minha, em que os vi, conservadores de nascença, a respeitar exemplarmente a individualidade dos outros. ao contrário da esmagadora maioria daqueles que se dizem respeitadores das liberdades individuais mas que, à primeira estupefacção perante o que é diferente, censuram, cerceiam, reprimem, a estes sempre ouvi o silêncio absolutamente respeitoso por aquilo que não conhecem, não apreciam, detestam, até. nunca julgaram a filha pelo colchão alumiado por uma vela em que dormiu com o marido durante os primeiros meses do casamento (falei disto num filme…); nunca a julgaram por o ter celebrado num cartório seguido de almoço numa pizzaria. jamais se pronunciaram sobre o facto de os netos andarem vestidos assim ou assado, tatuagens ou brincos foram coisas que nunca lhes mereceram condenação ou sequer reparo. uma graçola, quando muito. jamais o gesto, mínimo que fosse, de correcção. do mesmo modo que, quando alguém insinua vontade de ir andando, haja ou não real motivo (não lhes interessa se há, não é da sua conta), eles serão os primeiros a dizer: vai, meu filho, vai à tua vida, tu é que sabes os teus horários. ao contrário da esmagadora maioria daqueles que se dizem respeitadores das liberdades individuais, estes dois velhos nunca estarão do lado dos hipócritas de que Jack Nicholson falava em Easy Rider: "«Oh, yeah, they're gonna talk to you, and talk to you, and talk to you about individual freedom. But if they see a free individual, it's gonna scare 'em«".

mas com os velhos nunca se sabe o que esperar e, talvez por causa dos efeitos que a pandemia inflige mesmo nos espíritos mais estóicos, será a primeira vez que os ouvirei dizer:

não vás já, fica mais um bocado.

não devo ter conseguido disfarçar a surpresa, pois logo a seguir me diz: a tua avó está lá em cima, já vem, eu estou aqui a fazer a lareira, isto já fica quente num instante.

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