(Le Soupirant, 1962, Pierre Étaix)
Nisto das quarentenas, estou como o outro: é preciso é espairecer… Rever velhos amigos, fazer novos, ver um filme, ler um livro, aprender a cozinhar, conhecer gentes de lugares outros (chineses, russos…), frequentar belas bibliotecas… Enfim, o que vos der na real gana. Parados é que não! Podem fazer tudo isto - palavra de honra! eu, por exemplo, fiz um novo amigo chamado Pierre - connosco aqui no À pala de Walsh: http://www.apaladewalsh.com/2020/03/fique-em-casa-e-faca-o-favor-de-ver-ler-ouvir-comer-e-viajar-pelo-cinema/
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Para grandes males, grandes remédios, pois que, dizem os antigos, rir é o melhor remédio. Mesmo que, na tradição dos grandes cómicos do cinema, Pierre Étaix seja e, simultaneamente, não seja um “maluco do riso”. O humor é, pois claro, também um modo-de-olhar os homens nas suas obsessões e tiques, “taras e manias”, de um só golpe se podendo desmontar um comportamento perfeitamente “normal” da “vida em sociedade” e expô-lo na sua mais gloriosa patetice. Étaix fá-lo de uma tão graciosa e sofisticada forma que as referências que lhe são anteriores (Chaplin, Keaton, Tati) não passam disso mesmo, “referências”, jamais ofuscando o brilho e a singularidade da sua proposta. Em Le soupirant (O Apaixonado, 1962), uma das peças incluídas na colecção da Criterion Collection que a prudência aconselha a que se adquira e visione durante a quarentena, Pierre, jovem-adulto que vive quase-literalmente na lua (cfr. aquela fabulosa sequência inicial, um tratado de “artesanato” na con-fusão de escalas e cenários, novamente ensaiado na cena do barco em Yoyo), vítima de uma epidemia semelhante à nossa (o tédio), faz ouvidos moucos aos muito conservadores anseios dos pais para que se case.
Mais tarde, e depois de infrutíferas tentativas de engate nupcial, será vítima de uma outra epidemia, não menos semelhante à nossa: com os olhos colados na televisão da sala-de-estar de uma das suas pretendentes (soupirant, aqui, são uns e outros, o efeito é bumerangue), Pierre será acometido desse grande surto fantasmático que é a Imagem – e que é Stella (France Arnel), a chanteuse–femme fatale. La grande illusion: no princípio, era o fascínio. Sequência de antologia, uma das mais grandiosas já feitas acerca do poder e da sedução das imagens, da vertigem que o desejo que delas se desprende exerce em nós. Várias peripécias depois e eis Pierre no camarim de Stella pronto para, enfim, La grande désillusion: Stella é, imagine-se, mãe de um rapaz. Pierre pira-se enquanto o Diabo esfrega um olho. O jovem irreverente do início do filme é, afinal, tão conservador como os pais. À suivre…
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