quarta-feira, 2 de julho de 2014

Walsh #13 - O elevador enquanto questão de moral/Her (Sopa de Planos)



Os mais atentos já terão reparado, mas dou agora nota, com algum delay, da nova Sopa de Planos do À Pala de Walsh, desta feita tendo os elevadores como epicentro. O "meu elevador" vem do Her, do Spike Jonze. Subam ou desçam, mas não deixem de ler - ali ao lado (clicar).


Pertence a Werner Herzog, esse perscrutador dos mistérios do humano, uma das sínteses do século XXI: “A solidão humana aumentará em proporção directa ao avanço nas formas de comunicação”. Pertence a Spike Jonze, goste-se ou não do estilo, um dos filmes que melhor corporiza essa terrível promessa. Se chovemos no molhado, não nos importamos – ipadiphonetwitterfacebookwhatsappemailskype: tudo “invenções”, “maravilhas tecnológicas” e “novos descobrimentos” que, mau grado as suas inegáveis vantagens, nos fazem a todos menos curiosos, atentos, interessados (e interessantes…) e – não receio dizê-lo – inteligentes. Antes de ipads e afins, outras invenções fizeram as delícias do Progresso dos séculos XIX-XX e os elevadores foram uma delas. À sua maneira, os elevadores modernos foram um primeiro indutor dessa solidão contemporânea que é a de estar com toda a gente e não estar com ninguém ao mesmo tempo. O elevador força a convivência involuntária, obriga a que olhemos, mesmo que só por segundos, os rostos de outrem (pior se o elevador for todo espelhado, aí não há mesmo saída…), coage-nos a sentir o toque do casaco que, ao de leve, se cruza com o nosso, impõe-nos perfumes alheios, compele-nos à cordialidade de ocasião (“Bom dia/boa tarde/boa noite”) com total desinteresse pelos humores particulares de cada um. Tudo isto não seria necessariamente mau não fosse o artificialismo, a sensação de imposição e a impessoalidade envolvidas num pequeníssimo – por vezes mesmo claustrofóbico – espaço físico. Jonze junta, então, estes dois tipos de “invenções”, uma mais anciã (elevadores) que outra (um personal manager auricular que lê emails, escolhe músicas conforme o nosso estado de espírito e sumaria os gossip mediáticos do dia), para radicalizar essa ideia: todos – todos mesmo, porque a globalização é esse enquadramento (o deste plano), no mesmo espaço, de um asiático e de um ocidental – ouvem, todos conversam (com o personal manager), todos se olham, mas ninguém comunica, ao menos no genuíno sentido que o termo encerra, isto é, gregário, comunitário, enfim… humano.


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