Continuando a matutar sobre The Anderson Tapes, a que chamei de um não-filme e, por isso, de um filme subversivo (não há nonsense nisto), entrevi outro aspecto que me parece interessante. A videovigilância, mais do que a óbvia consequência de permitir esquadrinhar a vida de terceiros, tem esse efeito perverso de reduzir as pessoas visadas a determinado perfil. Num televisor ou monitor, por definição quadrado (ou rectangular), o visado é encaixilhado, aprisionado, formatado entre "quatro paredes"; ele é aquilo e não é mais nada ou, de outro modo, o que não está no monitor não está no mundo (para adulterar o aforismo jurídico Quod non est in actis non est in mundo). É reduzido a um número, a um "vigiado", como se a "profundidade de campo" estivesse irremediavelmente arredada do monitor, no sentido em que o que ele mostra é, inevitavelmente, superficial, carente de espessura - carente, quase diria, de "subjectividade(s)", mesmo de humanidade. Ora, é precisamente isso que acontece com Sean Connery no filme de Lumet. Depois de sair da prisão, todas as câmaras nas quais aparece - mesmo nas que não pertecem à polícia, pois o drama é também esse, o galgar da tecno-vigilância para fora dos terrenos tradicionalmente reservados à autoridade - encaixilham-no, aprisionam-no, num reducionismo que, no limite, tem no espectador (e nos polícias que o vigiam) um efeito muito particular, mesmo antes de Connery se decidir pelo assalto: Connery nunca deixará de ser um criminoso, Connery é um criminoso e não é mais nada.
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