Na fila à minha frente, uma miúda, não mais de vinte e poucos anos, esbraceja, olhos arregalados e mãos levantadas, em direcção ao ecrã, de seguida virando o rosto, uma e outra vez, para o namorado em sinal de funda reprovação. Não fala, mas todo o seu corpo grita indignação. Os esgares, constantes, só são superados pelo momento em que, como num filme de terror, tapa os olhos com as duas mãos para não ver uma cena. É uma dos muitos que, ao longo da sessão, vão pateando o filme, por entre interjeições de desprezo, risos de escárnio e, até, a certa altura, um bem audível e exasperado "What the fuck?!".
Não contava viver para contar, mas, nesta sessão de cinema, o impensável acontece: numa sala quase lotada, são os jovens que, escandalizados, vaiam o filme, e os velhos quem, calados e perscrutadores, o seguem compenetradamente.
Um dia, quando estes jovem forem velhos, perceberão, porém, que a maior das transgressões lhes passou mesmo por debaixo do nariz: é logo numa das primeiras cenas, quando Mary-Jane (como a planta, fantasia maior dos adolescentes), vendo Julien nauseado pelo álcool que o seu corpo ainda não aguenta, lhe explica o que fazer, penetrando dois dedos na sua garganta, fazendo-o vomitar e, a seguir... limpando-o com uma toalha. Estava lá para quem o soubesse ver.
Kung-Fu Master! (Varda, 1988), chef d'oeuvre. *****
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