quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024



Num filme em que dois personagens (uma mulher, a protagonista, e um homem) são escritores, e no qual a certa altura alguém alude aos seus "gostos" em literatura e cinema, não há um único, mínimo que seja, desenvolvimento sobre o que é que pensam, sentem, reflectem, meditam - sobre o que é que, voilà, escrevem - e que esteja remotamente relacionado com os livros saídos de uma qualquer e mui literata mão invisível. Simbolicamente (ou mesmo literalmente), fica tudo à superfície: uma lombada onde se lê "Macbeth" na mesa da "escritora"; uma "residência artística" cujo único facto conhecível é o de gerar encontros românticos; um livro intitulado "Boner" que o "escritor", o marido, assina numa... sessão de fotógrafos. São - diz a sinopse - escritores, mas podiam ser engenheiros, talhantes, advogados, carteiros ou influencers. Estranha matemática, esta: se num filme se discutem directa e aprofundadamente livros e ideias (espécie cada vez mais rara e de que nem sou particular apreciador), ele corre o risco de ser "pretensioso"; quando a lombada é bastante para fazer o efeito pretendido (pessoas "inteligentes", "cultas", num ambiente "intelectual"), o risco é o da aclamação. Sintomático e bem à altura de muita da criação artística que vinga por estes dias. Vidas Passadas, então: está encontrado o novo Aftersun, o triunfo do vazio.

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