The Roaring Twenties (1939), Raoul Walsh.
Em The
Roaring Twenties, a viagem de comboio entre Eddie Bartlett (James Cagney) e
Jean (Priscilla Lane) terá o seu desenvolvimento e (anti-)clímax (o termo não é inocente, mas... já lá
vamos) na cena da chegada a casa de Jean, nela residindo uma das chaves para decifrar a complexa(da?) personagem de James
Cagney. Eddie, no seu habitual cavalheirismo
sagaz, prontifica-se (insiste) em acompanhar Jean a casa, casa que ele já
conhece dos tempos em que, regressado da guerra, havia ido visitar a mulher – afinal uma adolescente que ainda vive com a mãe – que lhe mandava cartas,
desejosa de arrematar, como ela própria o diz, o seu "dream soldier".
Eddie, então espantando com a mocidade de Jean, rapidamente desaparece do mapa.
Mas, agora, passados uns anos, Eddie
acompanha, dizíamos, Jean, entretanto feita mulher e aspirante a cantora, a
casa. Hiper confiante (a "confiança" é um punctum crucis delicado em Eddie, mas... já lá vamos,
já lá vamos) e charmoso, Eddie domina todo o encontro perante uma Jean
embevecida, naquele que é o único momento, ao longo de todo o filme, em que
acreditamos que aquele par pode dar certo, circunstância a que, e trazendo para aqui os movimentos imprimidos pelas máquinas do tempo (ali o carro, aqui o comboio) aludidos por JMG, não será certamente alheio o movimento
frontal, em direcção ao futuro (ao amor, à felicidade), do comboio, com os dois
(Eddie e Jean) defronte para esse destino, prontos a alcançá-lo, prontos a
abraçá-lo.
Já apeados do comboio, Eddie acompanha Jean até à porta de casa, sugerindo (insistindo), de insistência (sugestão) em insistência (sugestão), com uma certa "lata", até, a intenção de entrar com Jean em casa. Neste momento, outra coisa não passa pela cabeça do espectador: Eddie quer entrar para conseguir algo mais, designada e obviamente, levar Jean para a cama. Algo surpreendentemente (estamos a falar do cinema americanos dos anos 30 e da censura legalmente instituída que então o acobertava), Jean, perante a insistência de Eddie (quando Jean lhe sugere ficarem no alpendre, Eddie, recuando até à porta de casa, e depois de argumentar que se constipa com facilidade, diz ser um "strictly home man"), anui, sem dramas, em entrarem para dentro de casa. Suspense.
Já apeados do comboio, Eddie acompanha Jean até à porta de casa, sugerindo (insistindo), de insistência (sugestão) em insistência (sugestão), com uma certa "lata", até, a intenção de entrar com Jean em casa. Neste momento, outra coisa não passa pela cabeça do espectador: Eddie quer entrar para conseguir algo mais, designada e obviamente, levar Jean para a cama. Algo surpreendentemente (estamos a falar do cinema americanos dos anos 30 e da censura legalmente instituída que então o acobertava), Jean, perante a insistência de Eddie (quando Jean lhe sugere ficarem no alpendre, Eddie, recuando até à porta de casa, e depois de argumentar que se constipa com facilidade, diz ser um "strictly home man"), anui, sem dramas, em entrarem para dentro de casa. Suspense.
Quando Jean se prepara para tirar as
chaves da carteira e abrir a porta, Eddie faz tombar, sem querer mas
ruidosamente, um vaso, pedindo desculpa pelo barulho poder ter acordado
a sua mãe. Aliás, a frase exacta – importa transcrevê-la pelo que de
insinuante comporta – é: “we got to be
careful not to disturb your mother”. Um segundo e Jean já prostrou o olhar no
chão, para depois nos dizer (a nós e a Eddie) que a sua mãe passed away há um ano atrás. A seguir a isto,
Eddie só lhe perguntará se vive sozinha e, a partir daí, fará conversa de
circunstância, até ao momento em que Jean o convida finalmente a entrar, ao que
ele recusa. Nunca passará daquela porta e, saberemos mais tarde, nunca entrará
verdadeiramente na vida (no coração) de Jean. Como seriam as coisas se, naquela
noite, Eddie tivesse acedido ao convite? Teria sido tudo diferente? Talvez sim,
provavelmente não.
Esta recusa deixa lastro para, pelo menos,
duas leituras diferentes. A primeira, mais imediata e convencional (moralista),
é a que vê nessa recusa um acto de amor “puro” (por oposição ao amor carnal, se
se admitir que esta oposição faz sentido, que não faz), no sentido em que,
afinal, Eddie nunca teria querido levar Jean para cama: se queria entrar
sabendo que a mãe de Jean estava em casa (o que impossibilitava, à partida, grandes
aventuras), já não o quis (mesmo) sabendo que, afinal, Jean vivia sozinha. Acresce
o moralismo que a notícia da morte da mãe de Jean, imediatamente antes das
chaves rodarem na fechadura, imprime à cena, na medida em que sai beneficiada,
novamente, a "pureza" de Eddie, o qual, perante a gravidade do
assunto, como que se "esquece" da pulsão sexual.
A segunda leitura, eventualmente mais ousada mas nem por isso infundada, é a que, jogando com os mesmos dados (intenção de
entrar sabendo que a mãe de Jean está em casa vs. desistência de o fazer sabendo que ambos estão sozinhos), vê na
confiança exterior de Eddie o reflexo de uma profunda falta de confiança
interior e - é aqui que queremos chegar – sexual. Durante todo o filme, não há, salvo erro, uma só cena em que Eddie beije (e só estamos a falar disto mesmo, beijar) uma
mulher, que abrace uma mulher para além do mero companheirismo. Pelo contrário,
Eddie, não obstante a sua inegável masculinidade e virilidade (os socos a torto
e a direito, a pose de gangster),
apresenta-se, de um ponto de vista relacional e objectivamente físico,
perfeitamente assexuado, o que poderá mesmo levar a abrir novo capítulo nas
suposições, a saber, o de uma eventual homossexualidade reprimida. Aparência
que sai reforçada com o que de virginal Eddie põe em pormenores tão simbólicos
como o de, durante praticamente todo o filme (até à sua "queda"), beber leite (e não álcool). Deste modo de ver, a recusa em aceder ao convite de
Jean evidencia a referida falta de confiança, sobretudo sexual, em levar as
coisas "até ao fim", em corresponder na hora "H" – como não
pensar, então, no soldado, como Eddie, impotente de Fiesta,
de Hemingway?
Aliás, a relação de Eddie com Panama
(mulher que dele diz, mais do que uma vez, ser do "seu tipo", com o
que o filme se abalança no tema da luta de classes), mulher com quem acaba por
"ficar", não é nunca de tipo amoroso, muito menos sexual; pelo
contrário, é sempre uma "amiga", uma "comparsa", que Eddie
vê – que nos dá a ver – em Panama. A bem dizer, mesmo no amor que vota a Jean,
Eddie nunca parece apaixonado no sentido carnal que ao amor está
irremediavelmente associado; diversamente, Eddie parece, sim, apaixonado por
uma imagem, por uma ideia de amor,
burguês com certeza: uma casa, uma mulher "doméstica" (e domesticada) e os filhos brincando no front yard. Voltando
ao início e ao comboio, é precisamente com este ideário que Eddie sonha alto, em conversa com
Jean, na viagem, quando lhe diz supor que ela goste de fazer bolos nas horas
vagas, ficar no jardim ou costurar. É esta ideia de amor que, afinal, gente
"do tipo" de Jean (e de Lloyd, com quem casará) vive (ou fabrica,
como imagens/ilusões que se fabricam…), mas de que Eddie ou Panama estão
arredados (em nova intromissão da questão de classe).
Sem comentários:
Enviar um comentário