segunda-feira, 27 de abril de 2015

Walsh #26 Sangue do meu sangue/Bad Lieutenant (Sopa de Planos)

 
 
A Sopa de Planos do À pala de Walsh voltou, imaginativa como sempre. Ora confiram aqui ao lado (clicar). O meu contributo abaixo, com a devida vénia ao Mr. Ferrara.
 
 
Crístico Keitel, crístico plano. Desde que o achámos – e já lá vão uns bons anos – no amontoado em roda livre chamado “internet” que sempre quisemos falar deste plano. “Sangue”, disseram-nos, e logo nos assomaram à cabeça os lábios de Harvey Keitel beijando os pés ensanguentados de Jesus Cristo. Bad Lieutenant foi o primeiro filme que vimos de Ferrara e talvez ainda seja aquele que reputamos como igualmente de “primeiro” na sua filmografia. Por ele perpassam todas as grandes questões da filmografia de Ferrara, muito especialmente aquelas que o americano filmou nos seus dois últimos filmes (Welcome to New York e Pasolini). “Talk to Jesus. Pray. You do believe in God, don’t you? That Jesus Christ died for your sins…”. São as palavras que a freira dirige a Keitel, com essa particularidade de, sendo “gerais e abstractas” (como as leis… as de Deus e as dos homens), se “aplicarem”, que nem uma luva, ao “caso concreto”, i.e., a Keitel. Num filme alucinado, de um realizador alucinado, em torno de uma personagem alucinada, absolutamente nada de anormal possui a sequência de alucinação/visão que Keitel tem de Jesus Cristo, numa desesperada e derradeira tentativa de redenção por parte de um polícia amoral e selvaticamente corrupto. Keitel chora, berra, uiva: “YOU GOTTA SAY SOMETHING!”, mas Cristo continuará impávido. E, perdoando-o, verá Keitel beijar-lhe os pés, tomar o sangue que ele derramou pelos “pecados” de homens tão virtuosos e pecadores (“too fuckin’ weak”) – tão… humanos – como ele. De homens como nós. O bilhete de autocarro para fora da cidade que Keitel pagará, depois, àqueles jovens marginais pretende, por isso, ser um bilhete “para o céu”, ou, pelo menos, um empurrão para fora do inferno do submundo nova-iorquino por dois dos seus mais íntimos conhecedores: Keitel e Ferrara, nados e criados em Brooklyn e no Bronx, respectivamente.

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