sexta-feira, 28 de setembro de 2018

a minha ligação com helena almeida é tão superficial quanto estranhamente profunda - ou,  mais apropriadamente (modestamente), íntima. resume-se, creio, a uma experiência. valência num domingo em que uma sombra velha conhecida, que já ameaçara na noite anterior, me começa a agarrar pelo pescoço. agora vejo que não escolho a palavra sombra à toa, não por metáfora mas porque lhe li numa entrevista a referência a um trabalho seu chamado entrada negra, que não conheço a não ser pelo modo como o descreve por palavras - quando vou investigar, faz-se, então, luz, apercebo-me de que sim, esse trabalho estava numa das salas daquela cidade que, por algumas horas, albergou um trapézio gigante. entrou pela entrada negra adentro, diz, num dia de calor. como esse dia de valência.  vou adiando a certeza de que já lhe começo a sentir as mangas roçando-me os maxilares. andando pela rua, como um gelado, ninguém diria que. no mapa, assinalo o museu, vamos aqui. mas ninguém quer ir, todos exaustos dos excessos. mal sabem - e mal eu próprio compreendo - como é a exaustão que, paradoxalmente, sem que eu o deseje, activa o fight-or-flight, expressão que shakespeare certamente teria apreciado. sou persuasivo, quero dizer, persistente, e já estamos na fresca a tentar pagar pelos bilhetes de estudante. que serenidade se começa a apoderar de mim. imagens, ideias, palavras, enfim, linguagens com que comunico, me aconchegam, familiares mesmo se esta é a primeiríssima vez que delas me aproximo. já no último terço da caminhada, HELENA ALMEIDA, e eu penso se se tratarará de uma artista sul-americana quem sabe brasileira, mas é portuguesa ó como me sinto feliz ainda antes de ver as suas pernas junto a cadeiras, paredes, faixas negras, manchas azuis, ó como me sinto próximo de casa e dos meus. até serralves é lá mencionada, uma exposição sua que por lá esteve, e eu penso nos quadrinhos que o meu irmão aí um dia pintou ainda criança era e a sombra criança para mim o era também. haveriam de ficar ao abandono em casa dos meus pais até eu os reaver para a minha casa nova, onde passam a ocupar uma das paredes da sala, são quatro, escolhi-os de uma série numerosa numa tarde em que o carro fungava tanta era a memória que carregava (quase voava pela janela é melhor fechares lucas, não xico só o que é leve é que voa). muito longe ainda de saber que, tanto anos depois, também a contas com sombras, o meu irmão faria das aguarelas suas melhores amigas enquanto a minha mãe finalmente descansa na areia e eu, enfim, nado. swimming, pois e sempre. é também por esta altura, quando as placas rogil e maria vinagre silenciosamente nos satisfazem a barriga e eu espreito os pirenéus de algas pela janela, que penso em como essa experiência em valência se liga directamente à minha recente vontade em fotografar, não filmar, fotografar, controlar e enquadrar o redor, fazê-lo meu como um batedor depois de verificar silenciosamente que o terreno está livre de minas. acto contínuo e um segundo depois penso que não quero pensar nisso, my mind plays tricks on me como se diz, não pode saber o meu ponto forte que depois já sabe por onde me pegar. diabinho hã, devias saber que domingo é dia santo, toma lá água benta então, sente este

shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh não me queiras fazer-te ouvir um outro maior, muito maior, explosão seca e falsamente distante da onda quando se nos rebenta. como o início de uma trovoada, uma rebelião vencedora.

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