"Sofilm (Sf): Travis Bickle é inspirado em si. Em quem é inspirada a personagem de Jodie Foster, a jovem prostituta maltratada por um proxeneta?
Paul Schrader (PS): Não estava baseada em nada em concreto, mas evoluiu com o tempo. Na verdade, Marty queria que Harvey Keitel fizesse o papel de chulo. E Harvey quis conhecer chulos na vida real para construir a sua interpretação e a sua personagem. Procurei por toda a Nova Iorque, fui ao Harlem e ao Bronx. Até que encontrei um bar cheio de chulos brancos, não negros, o que não era tão frequente. Estava ali, a beber, quando me fixei numa miúda, uma prostituta que, no máximo, teria uns 16 anos. Comecei a falar com ela e pensei: 'É esta, é mesmo esta, esta é a Iris'. Eu sabia que não a podia deixar ir, que tinha que falar com ela para dar vida à personagem. Levei-a ao nosso hotel e disse: 'Dou-te duzentos dólares. Ficas neste sofá e esperas por uma pessoa para tomar o pequeno-almoço amanhã de manhã. É a única coisa que te peço'. Deixei um aviso na porta do Marty a dizer que estivesse pronto às oito da manhã. A miúda esperou. Quase tudo o que a Jodie Foster faz no filme vem dela. Além disso, tinha um pequeno papel: na primeira vez que a Jodie aparece, ela está ao seu lado. É ela. Queríamos escrever-lhe um papel mais importante, mas não era de fiar e desapareceu umas noites depois. Provavelmente, hoje está morta.
(…)
Sf: Em que sentido Light Sleeper é tão pessoal para si?
PS: Na relação com o sofrimento. Sofrimento, sofrimento, sofrimento… A palavra está por todos os lados do filme. Sofremos, eu sofro, a personagem sofre. Taxi Driver é mais a ira. Creio que, juntamente com First Reformed, estes filmes formam uma boa trilogia. É a mesma história em três etapas da minha vida: um jovem zangado; um adulto que atravessa uma crise; um velho que se questiona a si mesmo. Os três esperam mudar, todos esperam mudar. Essa é a base da minha personagem fetiche: sozinha num apartamento, usando uma máscara, à espera que algo aconteça. Ao lado disto, há variações e a passagem do tempo. O meu próximo filme, The Card Counter, com Oscar Isaac, actualmente em pré-produção, será talvez o final do caminho. A estrutura é diferente, mas a personagem continua a mesma, faz as mesmas perguntas: 'Há um fim para os castigos? Se sou culpado, fui castigado o suficiente?'.
(…)
Sf: Disse já que, quando realizou os seus primeiros filmes, não era um verdadeiro cineasta. Pode esclarecer esta afirmação?
PS: Estava a aprender os rudimentos para pensar em termos visuais. (…) Para American Gigolo (…), interessei-me pelos italianos, pensei que me poderiam ajudar. (…) acima de todos, o director artístico Nando Scafiotti, que tinha feito Il Conformista. Ele ensinou-me a ser cineasta. Estava à frente de todo o visual do filme e eu observei como ele trabalhava. Foi uma inspiração total para mim. A decoração, os lugares da rodagem, os adereços: era ele que decidia tudo. Aquela foi a minha escola. Quando estava com ele em Nova Orleães, fomos um dia a sua casa. Aí, a surpresa: todos os móveis estavam cobertos com lençóis. Perguntei-lhe o porquê e ele respondeu: 'Repara, vou ter que viver aqui à força. A sério que queres que viva rodeado por estas mobílias infames?'. A personagem de Oscar Isaac em The Card Counter fará o mesmo em todos os hotéis por que passa, sem nunca o explicar. Essa é a minha homenagem a Nando Scarfiotti".
(Entrevista por Axel Cadieux in Sofilm, Fevereiro 2020, ed. espanhola; trad. livre)
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