sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

pecado original

Uma vez mais, forças externas impeliram-me a cometer a Grande Infâmia dos tempos modernos.
Satisfeita a fome, olhando no vazio, eis que me apetece fumar um cigarro. Penso onde tenho guardado o maço. Sinto-o no bolso do casaco. Pergunto delicadamente a um funcionário de uma tabacaria onde o posso degustar.
“Upstairs, in front of Macdonalds. It’s a smoking area”.
Prevejo o que aí vem. Subo as escadas, recordando asperamente a smoking area do aeroporto de Frankfurt.
Chego à smoking area do aeroporto de Roma. Desfazem-se as dúvidas (se é que as tive verdadeiramente): aí está ele, o ghetto. Não há subterfúgios ou falinhas mansas: fumar é ali, acantonado com os da mesma espécie, num espaço fechado, quase irrespirável. Custa-me a entrar, tal é a espessura de nicotina expelida e suspensa no ar.
Atordoado, não consigo ir muito longe. Fico ali mesmo, ao lado da porta, esperançado de que o abre e fecha de quem entra e sai me permita respirar um pouco.
Está cada um para o seu lado. Fumando de olhos pousados no nada. À primeira vista, pela forma como todos fumam, poderíamos ser levados a pensar em Pessoa e nos seus pensativos cigarros. Mas não, a hipálage não funciona. Não há hipálage. Ou então é outra, de todo o modo sem o romantismo moldado por Pessoa. Aqui não há romantismo. Há realismo, cinzento e solitário.
Saio da smoking area e parece-me ter saído de um pesado local de reflexão existencial. O cigarro não pode ter sabido bem, pois claro.
Uma hora depois, volto ao local do crime. O morto continua morto.
E agora escrevo, pensando no segundo cigarro sacrificado.

2 comentários:

Street Fighting Man disse...

tou eu 'sogadito atrás do meu balcão, a ver entrar clientes, quando um ou outro, que se pôs de nariz ao ar, lança a pergunta, que nem um puto de primária cauteloso: pode-se fumar?
sim, pode. - obrigado.
e vai embora arrastando a família atrás. hoje, pelas minhas contas, aconteceu 3 vezes. e das 3 vezes me ri. bem que me disseram que o miguel sousa tavares disse (isto correndo os típicos riscos que 'diz que disse' comporta) que em cafés o incomodava muito mais as crianças pequenas do que os fumadores...

TR disse...

Na Alemnha, também, vi uma coisa terrível. Numa estação de comboio, ao ar livre, mais "arejada" (bem mais...) do que a de S. Bento (estação de estugarda), um espaço demarcado no chão com linhas amarelas. Só se podia fumar ali. Num espaço ao ar livre, criam-se barreiras com pedaços de tinta no chão. Chegará o dia em que se elevarão uns muros, para a epidemia não alastrar.