segunda-feira, 6 de junho de 2016

1/1000

"O que procurava em todas essas mulheres? O que é que o atraía? O amor físico não é sempre a eterna repetição do mesmo?

De forma nenhuma. Há sempre uma pequena percentagem de inimaginável. Quando via uma mulher vestida, embora, evidentemente, pudesse fazer mais ou menos uma ideia de como seria depois de despida (...), restava sempre um pequeno intervalo de inimaginável entre a inexactidão da ideia e a precisão da realidade, e era precisamente essa lacuna que lhe tirava o sossego. E, depois, a busca do inimaginável não termina com a descoberta da nudez; vai para além dela: que caras fará enquanto se despe? o que dirá enquanto faz amor? em que tom suspirará? que ricto se imprimirá no seu rosto no momento da volúpia?

O que o eu tem de único encontra-se precisamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só consegue imaginar-se o que é idêntico em todos, o que é comum a todos. O «eu» individual é aquilo que se distingue do geral, e é, portanto, aquilo que não pode ser adivinhado nem calculado antecipadamente, aquilo que primeiro é preciso desvendar, descobrir, conquistar no outro.

(...) Dizendo-o por números, entre eles [os «eus»] há um milionésimo de diferente e novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove milionésimos de semelhante.´

Tomas vivia obcecado pelo desejo de descobrir esse milionésimo e de apoderar-se dele, e esse era o sentido que dava à sua obsessão por mulheres. Não vivia obcecado pelas mulheres, vivia era obcecado pelo que cada uma delas tem de inimaginável ou, por outras palavras, vivia obcecado por esse milionésimo de diferente que faz com que uma mulher se distinga das outras".

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser.

Sem comentários: