"Deitei-me; o sono parecia tão longe de mim como a saúde, a juventude, a força. Adormeci. A ampulheta provou-me que dormi apenas uma hora. Na minha idade, um breve momento de sonolência torna-se o equivalente de sonos que duravam, outrora, todo o tempo de uma meia revolução dos astros; o meu tempo passou a medir-se por unidades muito mais pequenas.
(…) se pensamos tão pouco num fenómeno que absorve pelo menos um terço de toda a vida é porque é necessária uma certa modéstia para apreciar as suas bondades. O homem que não dorme, e tenho de alguns meses para cá ocasiões de sobejo para o constatar em mim mesmo, recusa-se mais ou menos conscientemente a confiar no curso das coisas. (…)
Nunca gostei de ver dormir aqueles que amava; descansavam de mim, bem sei; mas escapavam-me também. E todos os homens se envergonham do seu rosto alterado pelo sono. Quantas vezes, tendo-me levantado muito cedo para estudar ou ler, compus eu próprio as almofadas amarrotadas, os cobertores em desordem, evidências quase obscenas dos nossos encontros com o nada, provas de que em cada noite deixamos de existir".
Memórias de Adriano, M. Yourcenar.
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