Houve uma festa em casa de amigos. Um casal vai ficar a dormir nessa casa depois da festa por convite gentil dos hóspedes, também eles um casal.
Acontece que, não tendo outra cama, o casal hóspede prepara um pequeno aconchego para o outro casal no chão da sala. O mesmo chão da sala que nessa noite já inúmeras botas, sapatilhas, tacões e sapatos hão-de ter pisado, transportando consigo, inevitavelmente, uma parafernália de resquícios trazidos lá de fora, da rua.
Estava eu a pensar nisto quando me lembrei dos tempos que passei na Finlândia.
Ora se a tal situação atrás arquitectada se passasse na Finlândia, pura e simplesmente... não se passava. Porque não cabe na cabeça de ninguém deitar-se num sítio onde toda a gente deixou irmamente um bocadinho daquilo que de mais rasteirinho se aloja nas ruas. Ainda para mais, possivelmente te-se-ia feito algum lixo no dito espaço, derivado de migalhas, copos tombados,etc.
Mas se a tal festita tivesse sido num qualquer pousio de portugueses, se um dos convidados para passar a noite objectasse ao hóspode a hipótese de dormir num local em tais condições, o que aconteceria? Além de dormir e ponto final, antes disso ainda era chamado de "esquisito".
Olha o esquisito...
Por estas e por outras (de relativa menor ou maior importância), fico fodido com a bacoquice de alguém quando diz que lá para o norte é que é, porque, enfim, é outra mentalidade.
Pois, pois é. Lá são esquisitos.
aditamento: Agora que penso, a verdade é que a Finlândia nem serve para o caso. É que ninguém anda calçado dentro de casa. Pois, lá está, são esquisitos.
11 comentários:
Eu ia escrever a tua nota, mas já está.
é a mania da higiene. há gente que pensa que nos homens pertencemos a um qualquer género nascido em incubadoras e não podemos tocar no mais pequeno resquício de sujidade.
até irrita.
Eu por acaso penso ao contrário. :) Não vejo com uma mania, mas sim como uma atitude simples e inteligente. E acho que esse tipo de "simplicidade inteligente" extravasa o campo das "pequenas coisas", como a higiene, para campos comunitários de índole política e administrativa. A sério, do mais pequeno para o maior, são aspectos como o da higiene, que favorecem outros povos. Por isso, quando falo na bacoquice de se dizer "é outra mentalidade", estou a apontar o vazio da expressão e a incoerência de quem o diz. O mesmo que vai lá fora e diz com um sorriso palerma que "não se vê uma ponta de cigarro no chão" e quando pisa terrenos pátrios é o primeiro a atirar o invólucro de um chocolate para o chão.
Ou seja: não, não é "outra" mentalidade. Não é uma mentalidade "alternativa", "original". É uma mentalidade. Uma mentalidade por sinal lúcida e de bom senso. Próxima de todos, e não apenas desses "esquisitos" dos nórdicos, tão "evoluidos" que eles são.
Um abraço.
P.S. - Sempre vamos ao ciclo de música na faculdade?
Eu concordo parcialmente com o teu texto, na parte do portugues se comportar de maneira diferente. No resto não. Os espanhóis são, em termos de higiene em espaços de restauração, bem piores que nós - basta ir a um bar - e não é por isso que deixam de ter uma produtividade muito superior à nossa, uma capacidade de trabalho bem diferente. ´
Os nórdicos são muito diferentes. E em quase tudo (Convém lembrar, também, e não é um dado inócuo, que tem uma taxa de suicídio muito superior à nossa e indíces de depressão altos). Acho que convém distinguir a esfera privada da pública. Gerir a casa não é como gerir o país. Ter uma migalha no chão, dormir no chão, não é como ter um espaço sujo na rua. Parecem-me "regras" um pouco fortes demais ou, melhor dizendo, não faço questão de as importar para o nosso espaço.
Nunca tive na finlândia, mas já tive na suiça, que também tem uma certa obsessão pela organização, limpeza, higiene,... Se vem o mal ao mundo por isso? creio que não. Mas o mesmo pela inversa. Não trocava o raio de um chouriço caseiro ou de uma alheira feita sem pruridos higiénicos por uma confecção toda ela hiper regulamentada. E nao me choca que a cozinheira ou o padeiro não use umas luvas xpto na confecção ou - e aqui acho que praticamente ninguém concorde comigo - lave as mãos de cada vez que toque em qualquer coisa que não um alimento.
Não que goste de lixo no chão, em espaços públicos ou privados. Mas...é razão para ficarmos tão obsessivos? Um dia vamos ser todos como o howard huges, ou lá como se chamava, sempre a fazer quarentenas de desinfectação.
Abraço
p.s. Eu falo contigo amanhã ou 6a. depende de como tiver a correr direito do trabalho:P
o ´comentário está todo desordenado, peço desculpa, mas tava a pensar em muitas coisas ao mesmo tempo:P
Meu prezado amigo, em parte já esperava o teor do comentário. :) isto porque conheço esse teu lado bucólico, telúrico. Um pouco como aquilo que te contei do vinho do porto que sabia a "Miguel Torga", recordas-te? :)
Mas bem, vou tentar esclarecer a minha visão das coisas.
Em primeiro lugar, quero sublinhar que a minha opinião não vai no sentido de tantos ensaistas de hoje que fazem da crítica barata ao português e aos seus vícios o seu ganha-pão. Eu detesto esse discurso acusatório do português inexoravelmente pequenote, meio burroide e pobrezinho. Detesto. Penso que tem o seu quê de covarde, por não fazer outra coisa que deitar abaixo. Por isso, a bacoquice que aponto aos que ouço falar não tem como alvo o cidadão português; não tem alvo. Dirige-se a todos os que embarcam nessa aporia idiota da "outra mentalidade". Essa expressão não quer dizer nada. Não existem a meu ver, "mentalidades" tipificadas, umas mais evoluidas que outras; como tentei explicar atrás, existem sim, formas de estar em comunidade mais ou menos razoáveis, inteligentes.
Quanto à questão da higiene, devo dizer antes de tudo que foi apenas um exemplo daquilo que vejo como um pragmatismo inteligente no dia-a-dia. Quantas vezes já dormi em espaços sujos? Muitas. Não quero dizer que rejeito esta situação (até porque tem sempre o seu romantismo, especialmente em viagens, etc.). O que quero dizer é que, em situações perfeitamente normais, e pegando no exemplo concreto, não é uma higiene "elitista" que está em causa; é tão-somente um facto prático: uma sala está cheia de porcaria, logo, ou arrumo tudo de forma a pôr as coisas de forma adequada, ou então não durmo neste espaço. Isto poderá soar demasiado mecanicista... mas é que quando presenciado e reflectido, faz todo o sentido, na minha opinião.
Quanto às esferas privada e pública. O ponto é precisamente o contrário, Tiago. Na Finlândia, para o caso concreto, essa distinção é pouco ou nada marcante. Não digo isto decor; senti-o e ouvi-o, mais ou menos explicitamente, das pessoas. O cidadão concepciona as coisas numa dimensão muito mais comunitária, cívica. Não me estou a referir concretamente à ideia de "democracia participada" ou algo de género. Não é isso. Há é toda uma dinâmica comunitária ou colectiva (diferente de colectivista) de realização do mais razoável e inteligente. Isto poderá parecer quase espirituoso pela forma como o exponho... mas não é. Eu senti mesmo isso. Nas palavras do Baptista Machado, há um "consenso" (tácito e informal) de educação e civismo que faz com que se estabilizem comportamentos sensatos e razoáveis.
Eu não sei se os jovens finlandeses sabem o que é a Green Peace, mas em todas as casas de rapazes e raparigas da minha idade a que fui, não havia uma em que não se fizesse reciclagem. Já por aqui, conto pelos dedos as casas de jovens, adultos e casais que a fazem...
Voltando à higiene e aos chouriços. Eu também gosto muito do que falas. Mas creio que o que eu escrevi não o invalida. Não estou a fazer a apologia de uma higiene mesquinha e picuinhas, longe disso. De outra forma: não estou tanto a apontar um "dever-ser" quanto estou a interrogar sobre o "ser".
Daí, e finalmente, o "esquisito": o esquisito quem é? É o tal detentor de "outra mentalidade"? Não é. Não existe.
Sim, por favor venham ao ciclo de música na 6a feira porque vou estar la a trabalhar e vai ser uma seca das grandes se só forem profes e pessoal mais velho!
Por acaso ia escrever sobre reciclagem, mas não faltarão exemplos da urbanidade a que te referes, Francisco. Desde a condução (CORRECTA) pela direita até ao não desperdício de recursos.
Quanto ao chão que serviu de cama aos convidados e ao espírito comunitário, eu não acho que seja mania querer dormir num local organizado e se não o quero para mim, então também não o iria propor a ninguém. Portanto, concordo contigo.
Pelo menos penso que estamos todos em sintonia quanto aos chouriços caseiros!
p.s. Talvez os finlandeses não andem calçados em casa porque têm soalhos aquecidos. Como por aqui não tenho desses luxos, sempre me habituei a não usar em casa o mesmo calçado com que ando na rua..."esquisita" :)
Eu não tenho problemas em dormir num local desorganizado, faço-o quase todos os dias no meu quarto.
Não sei se é "esquesitice" acho que são outros hábitos. Será esquesitice comer ratos? Morcegos? Olhos de cavalo? Testículos de boi? Cobras? Cães? Familiares? Inimigos?
E tripas enfarinhadas? E Caracóis?
Normal é sempre aquilo a que estamos habituados.
Txikia,
Sim, por isso é que usamos umas boas pantufas: :)
Ary,
Eu não estou a falar do que é "normal" no quotidiano de um povo x, y ou z. O que estou a interrogar é se o normal não é por vezes pouco inteligente, pouco sensato. Quem me conhecer bem, até se poderá espantar por estar aqui a por em causa o sitio mais ou menos higiénico que me é dado de abrigo.... Como disse, eu não o rejeito de forma alguma! Mais uma vez, não estou a construir nenhum dever-ser. Só me interrogo se uma "normalidade" de dormir num sitio tão cheio de porcaria é assim tão "normal", ou se somos nós apenas que não vemos a coisa com outros olhos, porventura mais sensatos...
Não te preocupes Ary, sempre que eu não tiver um poiso e me ofereceres um quadrado da tua garagem , concerteza que eu aceitarei e te agradecerei profundamente! :)
Quanto aos alimentos... Eu não vejo aí nenhuma tensão entre o tal ser/dever-ser. Não vejo aí nenhum comportamente alternativo mais inteligente do que comer "rato".
Estás a confundir o assunto com "tradições" e "costumes". Não tme nada que ver com isso. A não ser que me digas que pernoitar num local onde tantos já deixaram a porcaria das ruas em alguma coisa de costume milenar... São coisas diferentes! Uma coisa é um costume, outra é uma prática "normal" (nas tuas palavras) que só o é porque se calhar nunca foi pensada ou reflectida. Parece que às vezes o rótulo de "esquisito" é colado a alguém apenas porque pensou um bocadinho mais que nós...
Noronha, não há nada como explanar melhor as posições. Bem vistas as coisas, concordo contigo no primeiro, segundo parágrafo e quarto parágrafo.
Quanto ao terceiro, gostava de conhecer "gente lá do norte". Porque me parece que esse consenso tácito é um pouco castrador da espontaneidade. Mas isso dava pano para muitas mangas e, aliás, não tenho dados nada seguros para sustentar esta minha impressão. Por isso prefiro não ir por aí :P
um abraço
Enviar um comentário