terça-feira, 30 de outubro de 2018

Wah Wah Watson





com excepção do hip-hop, que já vinha muito, muito de trás, foi quando entrei na faculdade que o meu mergulho a sério na música negra americana se iniciou – e não tanto por ecos de casa (os meus pais tinham muitos LP de música brasileira, zeca e sérgio godinho, música clássica, mas, de black music, só os obrigatórios: James Brown, um Barry White aqui e acolá, pouco mais) quanto, como acontece com tanta boa gente, pelo rastrear dos samples originais dos beats que eu amava. nesse salto para aquelas que continuam a ser, todos estes anos depois, as minhas águas predilectas, houve uma revista fundamental para eu aprender a poda: não apenas os músicos e os discos, mas, também, como só viria a perceber mais tarde, a escrever (sobre música; cinema são outros quinhentos).
 
essa revista chamava-se (chama-se?) Wax Poetics e, num dos primeiros exemplares que comprei na Princesinha, a papelaria em Cedofeita onde a passei a encomendar mensalmente (eles tinham encomendado uma vez, à experiência, um número e, por milagrosa coincidência, eu passei nessa semana à porta; provavelmente fascinado pelo rosto do Sly Stone na capa, relativamente ao qual não fazia a mais pálida ideia de quem se tratava, decidi comprar), descobri o Wah Wah Watson, que morreu na quarta-feira passada. um side-man, génio na sombra, que fez apenas um álbum a solo (“Elementary”, 76) e tocou em centenas (literalmente) de discos de outros grandes nomes, todos bem mais reconhecíveis ao ouvido do que ele. o seu desaparecimento, mais do que me entristecer, remete-me para esse tempo outro no qual me maravilhava com todos aqueles nomes, discos, capas (da WP e dos discos que cada número abordava), referências, comparações, caminho livre, escancarado, privilegiado, para a minha curiosidade (nunca percebi aquelas pessoas que mal-dizem os críticos pelo facto de os seus textos estarem cheios de “referências", embora sempre me tenham parecido bastante preguiçosas e choninhas; pela minha parte, dominando mais ou menos um assunto, elas sempre foram bem-vindas, era da maneira que ia descobrindo mais e mais).
 
um tempo, também, em que as revistas de música eram realmente valiosas para um leitor com olhos-de-pensar; para evitar a nostalgia fácil, fui ler outra vez o artigo (assinado por Kurt Iveson) sobre o Wah Wah Watson de cabo a rabo e, confirma-se, é mesmo uma excelente peça, dessas que desapareceram das Pitchforks, New Musical Expresses e afins. triste, bastante triste, tanto como, movido pelo ímpeto de me re-conectar à WP (que deixei de subscrever, à data, pelo preço e indisponibilidade de tempo para a ler devidamente), ficar a saber que o mais recente número (sobre o Prince, de uma ponta à outra) terá sido, muito provavelmente, o último. para contrariar o fatalismo, um artigo que sugere que eu estou absolutamente errado e que a coisa está de óptima saúde (acreditar, como diz a outra, é livre): https://www.theguardian.com/…/the-crisis-in-music-journalis…
 
se este meu post servir de alguma coisa, que seja, pelo menos, para convencer alguém a assinar (e a não permitir o assassinar) da Wax Poetics. sobre o Wah Wah Watson, que as palavras do Kurt Iveson lhe façam a merecida justiça (WP n.º 37, Oct/Nov, 2009):
“Watson’s career has bubbled away under the surface of industry fame like the bubbles that are one of his signature sounds. (…) Watson wants to talk about what he does, not what he’s done. As far as he’s concerned, he says, ‘I’m fifty-six, I’m having fun, and I haven’t even touched the surface of my creativity’. (…) As he puts it, ‘Old-school musicians have an identifiable sound… Plenty of musicians today, they can play great, but they don’t have a sound’. (…) It’s one thing to have a musical vocaculary, it’s another thing to know how to use it. This brings us to a third elemento of Wah Wah’s sound – his approach to execution. Finding just the right niche of his guitar, for him, is a matter of developing an overview of a track’s conceptual foundation. Playing the right part is not just a matter of technical ability; it’s also fundamentally about listening skills and arrangement. This is a key part of Wah Wah’s formula for successful musical collaboration, especially when it comes to funky music: ‘Listen to people like Jimmy Smith, James Brown – the funk is in the arrangements’. (…) Of course, being a great player is not enough to make a career as successful as Watsons’s. This brings us to element number five – business. Wah Wah summed up his strategy like this: ‘I’m the bone looking for the dog, not the dog looking for the bone’. To illustrate, Wah Wah gave me some dating tips, for free. ‘It’s like, if you see someone you like, don’t rush in there. You gotta be real casual, dog… That way, you’ll make her want to come to you. Are you with me?’”.

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