sexta-feira, 8 de julho de 2016

Curtas Vila do Conde #1: Diamond Island

 
 
O Curtas Vila do Conde (programa completo aqui) inicia-se amanhã e estende-se até ao dia 16 de Julho. Escrevi um pequeno texto sobre o filme de abertura, Diamond Island (2016), de Davy Chou, para o catálogo do festival, filme que dialoga com a sua curta anterior Cambodia 2099 (2014), premiado no Curtas 2014. Bons filmes!
 
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"Seleccionada para a Semaine de la Critique de Cannes 2016, trata-se da primeira longa-metragem de ficção de Chou, cineasta nascido em França mas com raízes familiares no Cambodja e autor do documentário “Le sommeil d’or” sobre a “era dourada” do cinema cambodjiano dos anos 60 e 70 (praticamente varrido do mapa pelos khmers vermelhos). A longa prolonga, quer no plano formal como no material (há cenas inclusivamente filmadas nos mesmos espaços), o olhar da sua curta anterior – “Cambodia 2099”, presente na Quinzaine de Realisateurs de Cannes 2014 e vencedora do Grande Prémio do Curtas no mesmo ano – sobre o Cambodja actual (sobretudo sobre a sua população mais jovem) e suas transformações a um nível transversal: económicas e sociais, sim, mas também culturais (o lugar da família, os movimentos migratórios), urbanísticas, identitárias (extensíveis, de resto, aos restantes países do sudeste asiático). Com a profundidade que a maior duração da longa permite, Chow documenta essas convulsões a partir da história de um rapaz que abandona a sua aldeia para ir construir um empreendimento imobiliário de luxo, novo-riquista e ostentatório, na capital proto-futurista Phnom Penh. É como se, de alguma forma, o “Cambodia 2099”, i.e., a ideia (não o filme) de um Cambodja “do futuro”, se materializasse nesse dream come true do capitalismo consumista mais agressivo chamado “Diamond Island”, cuja insularidade (de “Island”) rima com o elitismo e o exclusivismo do empreendimento.
 
Os sonhos e o desejo de evasão, de um lado, o futuro e a interrogação sobre o porvir, do outro; estes são, programaticamente falando, os eixos por onde passa todo o cinema de Chow, sendo várias as “terras prometidas” a que as personagens se referem, em ambos os casos ilusões frustradas: os EUA, sim (como na curta anterior), mas também a Malásia, por exemplo (e o próprio “Diamond Island” é, metaforicamente, todo ele um “sonho em construção”). Se o pendor realista se faz notar (a pobreza, o trabalho infantil, a degradação habitacional, o choque entre ricos e pobres), no que ecoa um filme como o “Los Olvidados” de Buñuel (sobretudo nos planos dos miúdos inseridos na paisagem de “escombros” da cidade), é o registo melodramático, porém, que interessa a Chow na construção das personagens e do ambiente de “melancolia de metrópole” em que elas giram (poeticamente potenciado pelas cores e neóns nocturnos, a evocar algum do cinema americano dos anos 70 e 80), com destaque para a de Solei, o irmão de Bora que é “financiado” por um ambíguo sponsor americano e de quem uma personagem diz ninguém conhecer realmente bem (no seu mistério e penumbra trazendo à memória o irmão mais velho de “Rumble Fish”…). Se Rithy Panh tem, por todos os motivos, sido o porta-estandarte do melhor cinema cambodjiano que temos visto, Chow é, definitivamente, outro dos nomes que merece um acompanhamento atento daqui em diante".

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