sexta-feira, 15 de julho de 2016

Nice (2)

Lembro-me de parar em Nice pelo meio de uma viagem num Verão conturbado. 2007, 2008? Por aí, vê bem, já lá vão oito anos, quem diria. Lembro-me da desilusão que tive ao meter os pés naquela odiosa praia de pedregulhos: então e a areia? É para aqui que os actores de cinema vêm?, que raio, não sabem mesmo o que fazer ao dinheiro. Também me lembro de conhecer uma americana, muito atraente por sinal, disse-me que não sabia o que era Portugal, é em Espanha, perguntou, o fascínio que eu lhe dedicava havia uns minutos por saber que andava a viajar sozinha há um par de meses a eclipsar-se de mansinho. Já não me lembro onde fiquei a dormir, mas recordo-me de estar a comer um gelado na mesma Promenade da noite de ontem e de um miúdo com um balão ter engraçado comigo e pedir a minha atenção, os pais com o embaraço natural de o filho estar a incomodar terceiros. O gelado caiu-me ao chão quando dei uma sapatada no balão, para felicidade do miúdo, que achou tudo aquilo muito cómico.
 
As pessoas costumam dizer, nunca percebi porquê, que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Que sentido esta porcaria faz? Nenhum; eu não tenho é vontade de voltar ao sítios onde fui infeliz. Por isso, não voltei entretanto a Nice, como não voltarão, umas por estarem mortas, outras pelo medo, as pessoas que lá estiveram ontem. Não voltei pelas minhas pernas, mas acabei por lá regressar como muitas vezes me acontece com outros lugares, ou seja, através dos filmes. No caso, esse maravilhoso La baie des anges do Demy (quão ignominiosa a tradução portuguesa do filme...), solar, poético e indolente como aquele jantar da Moreau com o Mann num terraço em frente ao Mediterrâneo em que dançam, apaixonam-se e desapaixonam-se com a mesma velocidade com que a Moreau ganha e perde umas coroas no casino. E aí, sim, Nice fez-se-me feliz, fez-me feliz, acendendo-me, pese embora os pedregulhos, uma ponta de desejo em lá retornar. A ressureição de que falei abaixo passa por isso: voltar, com mais determinação do que nunca, a Nice, comer um gelado, magoar os pés no caminho para o  mar, beber bom vinho em terraços soalheiros, dançar sem saber dançar só porque podemos e temos gosto nisso.

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