Hoje, entre os vários filmes exibidos, e além de alguns que repetirão e que por aqui já referenciei (casos de El Edén e Crystal Lake), o Curtas exibe Severed Garden (2015), de Gonçalo Almeida, filme que muito me entusiasmou e que deixa um lastro auspicioso para o realizador, como o meu texto para o catálogo testemunha.
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"Filme intrigante e prometedor aquele que Gonçalo
Almeida – estreante em Vila do Conde – traz ao Curtas, um thriller onírico (e de “zombies”, embora obviamente afastado das
convenções do género) sempre em contenção, sempre no limiar da loucura, sobre
os receios e os traumas de uma mulher prestes a dar à luz. De sonho em sonho –
de pesadelo em pesadelo, melhor dizendo –, vamos submergindo, por vezes sem
saber distinguir entre realidade e alucinação (con-fusão favorecida pelo facto
de a personagem principal lidar com a matéria dos seus sonhos na sua vida
profissional), na perturbada psique de Sophie (Elisa Lasowski, tão talentosa quanto
magnetizante, e não é só pela beleza), naquela que não deixa de ser uma
abordagem freudiana às paranóias e recalcamentos que o indivíduo possui por
debaixo da carapaça da normalidade aparente do dia-a-dia, e que aqui confluem
para uma obsessão com a morte, aspecto particularmente sinistro e simbólico num
momento em que Sophie se prepara para gerar uma nova vida.
Com uma fotografia
magnífica e banda-sonora a condizer, Almeida filma com sobriedade e, sobretudo,
com uma noção de ritmo notável, deixando o filme transpirar o ambiente
espectral para o espectador e sabendo aproveitar o trabalho extraordinário da
actriz principal, que, apenas com o seu rosto (mais meia dúzia de palavras e
gestos), consegue encher o ecrã. Não fosse o facto de o filme abrir e fechar da
mesma forma e diríamos que todo ele é um enorme pesadelo – e não será a
maternidade, afinal, o pesadelo de Sophie?"
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