Les Vacances de Monsieur Hulot (1953), Jacques Tati.
"Mas em Tati ouvir é tão importante quanto olhar, a tal ponto a banda sonora se oferece repleta de imaginação, da cacofonia das palavras aos ruídos de densidade inesperada, como numa sinfonia de sons que confere uma nova dimensão à imagem. Cineasta exigente (...), Jacques Tati soube elaborar a matéria visual e a matéria auditiva de cada um dos seus filmes como duas faces da mesma realidade estética, o que transforma a sua obra num espantoso encadeado de inventiva com elevado potencial expressivo e fascinador. E é fabuloso o modo como o som funciona nos seus filmes, permitindo-nos perceber tudo apesar de, das palavras, apenas ouvirmos, frequentemente, ruídos inexpressivos, por vezes fora do quadro aparente da imagem em que surgem, de que irrompem para nos surpreender. (...)
O ruído faz parte do gag, sem que a palavra muitas vezes valha como palavra, mas apenas como mais um som, possuidor do efeito de irrealismo que detêm os outros ruídos do filme.
Talvez que este último aspecto, relacionado com o som nos filmes de Tati, nos permita compreender melhor o calor poético que deles se desprende e que aos ruídos, tanto quanto à imagem, está ligado. Estamos, nos filmes de Tati, perante uma poética da imagem e do som, quase sem palavras articuladas e/ou audíveis, antes com simples onomatopeias como nas poesias do modernismo, ou então com o bruahá ambiente em que aquelas se diluem".
Carlos Melo Ferreira, "Mon Oncle Jacques: Saber Olhar", in A Grande Ilusão, Ed. Afrontamento, n.º 8, Junho, 1989, p. 33.