(Cartaz e programação do Cineclube FDUP em 2007-2008)
A minha cinefilia começou - ainda nem eu sabia o que o palavrão significava - em casa com o Chaplin, o Tati e o meus pais, mas só verdadeiramente como coisa consciente e obsessiva a partir da entrada na Faculdade de Direito, que era, pelo menos enquanto lá andei, uma Academia no sentido original (grego) do termo: Cineclube FDUP, Jornal Tribuna, Sociedade de Debates, direitoÀcena (grupo de teatro), muitos etc.. Pelo menos destes quatro grupos fiz parte com o maior entusiasmo e vigor, tal como a esmagadora maioria das pessoas que lá encontrei. 31 de Outubro de 2007, via o meu primeiro filme no Cineclube FDUP: Rumble Fish, Coppola... Não o digo por nostalgia de ocasião, pois já então o sentia desta exacta forma (“I remember thinking: ‘I’ll remember this…’”): por essa altura, a FDUP era um lugar ligeiramente utópico (um lugar “ainda-já-distante”, como se estivéssemos a viver a faculdade do tempo dos nossos pais, essas que víamos, claro está, nos filmes que amávamos: França, Itália, anos 60-70…), que fervilhava a todo o momento, pleno de ideias, cultura, debate. Em resumo, duvido que volte a encontrar um espaço assim na minha vida; espero estar enganado.
A Faculdade de Direito comemora em 2021 os seus 25 anos e convidou-me a fazer uma selecção de 25 filmes – um por cada ano (e realizado nesse ano), desde 1995, data da sua fundação. É uma selecção (sublinho “uma”) que acompanhará um mini-ciclo de cinema (com outros filmes) a ser exibido ainda este ano em data a anunciar oportunamente. Abaixo, a selecção e o texto enquadrador.
25 anos FDUP, 25 filmes - O mundo que o cinema nos dá
No 25.º aniversário da FDUP, uma “lista dos melhores filmes dos últimos 25 anos” é coisa que não podia estar mais distante da selecção que aqui se propõe, a qual pretende, antes de mais, servir de complemento aos estudantes da FDUP para o mini-ciclo de cinema a realizar em 2021 por ocasião das comemorações da sobredita efeméride (razão pela qual os filmes aí a serem exibidos não constam da presente selecção). Assim, aquilo para que se convida os estudantes (e demais comunidade: docentes, funcionários, alumni) é uma possível leitura do mundo e do cinema que ele nos deu – e quanto mundo o cinema nos dá, por sua vez… – nos últimos 25 anos. Três turbulentas décadas de aceleração e transformação que mostram à evidência como o fim da História, afinal, nunca chegou.
Escusado será de referir a óbvia dificuldade em fazer uma tal selecção. É, por isso, e naturalmente, apenas isso mesmo, uma selecção. Simultaneamente uma proposta e um desafio aos estudantes. Procurou-se escolher um filme por cada ano (e realizado nesse ano) subordinado a uma ideia de conjunto assente num duplo vector. Por um lado, tactear a diversidade de propostas estéticas que a arte cinematográfica vem conhecendo desde os anos 90, quer em termos formais e programáticos (as tendências e figuras que vêm marcando o cinema contemporâneo, do melodrama à Nova Vaga Romena, do cinema português ao pós-documentário), mas também técnicos (o digital, a internet e a democratização por eles possibilitados no acesso à produção e consumo de filmes). Num outro plano, pretende-se também reflectir sobre as transformações – políticas, sociais, culturais – que marcaram o mundo no preciso momento em que uma nova e profunda mutação trazida pela pandemia Covid-19 acaba de ser experienciada – por agora sem fim à vista – pela sociedade global (o primeiro filme escolhido, de 1995, fala já sobre isso…).
É esta, por isso, uma selecção que se pretende diversificada mas rigorosa, plural e comunicante, bem assim orientada por um sentido pedagógico e prospectivo de aventura e descoberta para o público a que primacialmente se destina: estudantes, cidadãos pensantes e de espírito crítico. Uma selecção ancorada, agora e sempre, na curiosidade e no prazer de que se reveste o acto de ver filmes, acreditando na possibilidade de cada um deles servir de ponte para outros filmes, outros cineastas, outros mundos. Para o Outro. Esse é, afinal, o destino de toda a cinefilia, paixão de que um jurista – que tantas vezes ouve durante a feitura do curso que “Quem só sabe de Direito nem de Direito sabe” ou que a Equidade é a “justiça do caso concreto” – só beneficiará na sua intervenção no mundo dos princípios e das normas jurídicos. Um filme, um bom filme, nunca pretende ser juiz, antes proporcionar ao espectador todos os elementos e nuances (todos os cinzentos) para que este possa pensar em liberdade. Não manipula; oferece, respeita, ilumina. Porque a realidade – ou a ficção, uma supera a outra e vice-versa – é sempre mais complexa do que os conceitos e as ideias por que nos orientamos; do que "a previsão e a estatuição". Porque, no fim do dia, como se ouve ao Octave de La Régle du Jeu (1939, de Jean Renoir), "Le plus terrible dans ce monde c'est que chacun à ses raisons".
1995 – Safe (Todd Haynes)
1996 – Conto de Verão (Eric Rohmer)
1997 – O Sabor da Cereja (Abbas Kiarostami)
1998 – Os Mutantes (Teresa Villaverde)
1999 – Tudo Sobre a Minha Mãe (Pedro Almodóvar)
2000 – No Quarto da Vanda (Pedro Costa)
2001 – O Quarto do Filho (Nanni Moretti)
2002 – Sinais (M. Night Shyamalan)
2003 – A Melhor Juventude (Marco Tullio Giordana)
2004 – A Rapariga Santa (Lucrecia Martel)
2005 – A Morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu)
2006 – Offside (Jafar Panahi)
2007 – O Segredo de um Cuscuz (Abdellatif Kechiche)
2008 – As Praias de Agnès (Agnès Varda)
2009 – Morrer Como Um Homem (João Pedro Rodrigues)
2010 – Filme Socialismo (Jean-Luc Godard)
2011 – Melancolia (Lars von Trier)
2012 – 00:30 A Hora Negra (Kathryn Bigelow)
2013 – Até Ver a Luz (Basil da Cunha)
2014 – João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas Que Eu Amei (Manuel Mozos)
2015 – Montanha (João Salaviza)
2016 – Lumière! (Thierry Frémaux)
2017 – Dragonfly Eyes (Xu Bing)
2018 – Dogman (Matteo Garrone)
2019 – Atlantique (Mati Diop)
2020 – O Sal das Lágrimas (Philippe Garrel)