sábado, 28 de dezembro de 2013

don't blame me



"Don't blame", álbum Eastern Sounds (1961). Yusef Lateef.

A latere, "don't blame me" é um pouco o que andam todos a dizer uns aos outros na obra-prima do Farhadi (O Passado) que temos o privilégio de ter entre nós nestes chuvosos últimos dias do ano (ainda que involuntariamente, e com as devidas distâncias no plano estético, o Farhadi pega num tema hitchockiano e languiano clássico, o da permutabilidade da culpa). Bom fim de semana.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

planes, trains and automobiles



"Planes, Trains and Automobiles", EP The BoomBox Diaries Vol. 1 (2012). Nitty Scott.

Os meus últimos dois meses foram assim: aviões, comboios e carros. Resumidamente, graças a Deus. Ou não tão resumidamente assim e não tão graças a Deus assim (ambos), se pensar que talvez tudo isso me tenha insuflado (esperemos que não apenas da forma como um balão se enche de ar) de uma sensação de movimento fundamental para outras coisas menos prosaicas da vida.

o suspeito do costume


A minha admiração para com Antonioni não cessa: a cada novo filme - e faltam-me muitos poucos -, novo maravilhamento, nova interrogação, nova luz, novo abismo profundo comigo mesmo. O resultado segue dentro de momentos (dias) no meu artigo de Dezembro para o À Pala de Walsh.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

2013: as imagens que vimos no escuro


Ferrugem e Osso (2012), Jacques Audiard.
 
 
Os melhores filmes de 2013 para o À pala de Walsh já foram revelados. poderão encontrar quer a lista final (resultante da contabilização das escolhas de todos os Colaboradores), quer as listas individuais. Sobre a minha lista, quero esclarecer, para quem interessar, dois aspectos.

O primeiro é que não tenho, nem de perto nem de longe, a pretensão de pensar que a minha lista tem os melhores filmes de 2013, canonicamente falando. Não, a coisa é bem mais modesta: são os filmes de que mais gostei. Ponto. Por isso é que me dá um certo gozo - e não é pela mera "excentricidade" da coisa, podem crer - ver que o Ferrugem e Osso só figura na minha lista individual. Pois é: pu-lo no lugar que pus (9.º) e, ainda assim, foi dos filmes que mais me tocou nestes (quase) 365 dias. 

O segundo aspecto prende-se com um inevitável exercício desculpabilizante que não consigo deixar de fazer neste tipo de seriações (sempre injustas, não há volta a dar): há alguns filmes que não vi e, que, por esse motivo, não poderiam constar desta lista. Nalguns casos, porque não chegaram às salas do Porto, nos restantes, porque estrearam recentemente e ainda não tive oportunidade de assistir (alguns que inclusivamente já saíram de sala). Alguns exemplos do primeiro tipo: Terra de Ninguém (Salomé Lamas), Tal Pai, Tal Filho (Hirokazu Koreeda), O Som ao Redor (Kléber Mendonça). Do segundo tipo: O Passado (Farhadi), O Desconhecido do Lago (Guiraudie).
Depois, enfim, há outros que simplesmente perdi: A Noiva Prometida (Burshtein), O Profundo Mar Azul (Davies), Não (Larraín), Vénus de Vison (Polanski), 00:30 A Hora Negra (Bigelow).

Explicando melhor o que quis dizer a propósito do Ferrugem e Osso.
Não creio que o que de positivo estas ordenações eventualmente transportem seja o rigor das coisas, a cerebralidade das escolhas. Isso não me interessa, ou não me interessa em grande parte. Fazer uma lista destas só faz algum sentido se nos der prazer, se nos permitir recordar, com gosto, com emoção, com ternura, as imagens que vimos no escuro. Como essa imagem justa em que uma mulher amputada (e tomara que fosse só fisicamente...) faz amor com um bruta-montes (mandemos às urtigas, então, o adágio godardiano: sim, c'est une image juste): a justeza da/na imagem, a justeza da/na captação (precisa, instantânea,  única-no-tempo), num acto tão íntimo como é esse, da doçura e fragilidade de duas lost souls perdidas num corpo que não dominam, que lhes é estranho, que não desejam... O Corpo (também) é um lugar estranho.

E é isto. Voltaremos ao escuro e às imagens, amantes que somos de fantasmas, de ritos caducos, de mitos esquecidos. Feliz Natal.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

cinefilia (cine- + -filia), substantivo feminino

"O mistério estava na matéria de que eram feitas as imagens e da estranheza que aqueles corpos me despertavam, a sua teatralidade abissal, vinda de um tempo – ou de uma maneira de “dar a experimentar o tempo” – que definitivamente não era o meu. O outro locus do meu fascínio estava nesta ligação que ainda hoje carrego dentro de mim e que não consigo deixar de cultivar: a cinefilia é coisa para noctívagos, coisa para vampiros, coisa para necrófilos, para quem se alimenta da escuridão, do desconhecido, da solidão e, enfim, da morte. O cinéfilo é um amante de fantasmas, do que partiu e não volta mais, do que a sociedade se precipita em enterrar ou considerar caduco. A cinefilia é um acto insurreccional, um voodoo que convoca o Deus-pagão cinema para reanimar as estrelas cadentes e os mitos esquecidos. É, portanto, uma actividade primitiva, um “rito” que pertence, por inteiro, às noites de lua cheia".

Texto obrigatório do Luís Mendonça, no À Pala de Walsh.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

morrer de amor




Rancho Notorious (1952), Fritz Lang.

Mais ou menos como o Lamar morria aqui.

domingo, 15 de dezembro de 2013

qualquer coisa e um pouco de jazz



"QualquerCoisa e Um Pouco DeJazz", álbum Alma & Perfil (2009). Praso.

"Relaxa
Somos tipo Lego
Encaixa
Mete som na caixa
E se isto é pecado, nenhum dos dois acha..."

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

abraços desfeitos

Na verdade, o post anterior seria mais justo - a justeza, nestas coisas, vale o que vale, mas... - se o seu título fosse importado de um outro filme de Almodóvar (não interessa, para aqui, o filme em si, mas exclusivamente o seu título): abrazos rotos.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

amantes passageiros

Olhares que não se cruzam como lixo que se varre para debaixo do tapete.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

le cinéma est mort

Se as imagens morreram, por que razão haveriam as pessoas de se lhe olharem no metro em vez de curvarem - enforcarem? - as cabeças sobre telemóveis e afins?

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

benção

Não é crente, nunca foi. A palavra "Deus" sai-lhe de boca com a naturalidade ímpia de quem a pronuncia quando pragueja ou se comove profundamente numa sala de cinema. No avião, ao seu lado, uma senhora de idade benze-se circunspectamente. Sabe que o voo que tem pela frente é longo, muita água por baixo de si correndo, água que é força invisível apontando o caminho do retorno, que é, ao mesmo tempo, distância que o separa do destino. Água, ar: coisas que os homens não dominam.
Instintivamente, leva os dedos da mão direita à testa. Benze-se. Discretamente, com vergonha. Se tivesse uma cruz para beijar, beijá-la-ia com a mesma vergonha e determinação. Com igual certeza de que o mistério do divino é o mistério do humano e vice-versa.