"Tinha já vivido o suficiente para suspeitar daquilo que, colado ao nariz de todos, se lhes escapa com maior frequência: o peso do sujeito na noção de objecto. A Maga era das poucas pessoas que nunca se esqueciam de que a cara de um tipo influía sempre na ideia que se de poderia fazer do comunismo ou da civilização cretomicénica, e que a forma das mãos estava presente em tudo aquilo que o dono delas pudesse sentir diante de Ghirlandaio ou Dostoievksy. Era por isso que Oliveira admitia que o seu grupo sanguíneo, o facto de ter passado a infância cercado de tios imponentes, uns amores contrariados na adolescência e uma queda para a astenia podiam ser factores de primeira ordem na sua visão do universo. Era de classe média, era portenõ, era colegio nacional, e isso não são coisas que se remedeiem assim de um momento para o outro. O problema é que, à força de temer a excessiva localização dos pontos de vista, tinha acabado por pesar e até aceitar demasiado o sim e o não de tudo, a olhar do fiel os pratos da balança".
Julio Cortázar, O jogo do mundo (Rayuela), Cavalo de Ferro, 2008, p. 34.