À noite, no Museu... Novo texto para o À pala de Walsh
… Mas a legenda nunca é suficiente. Não porque a informação dela constante seja excessiva para caber num pequeno expositor, nem pelo facto de o visitante poder eventualmente não compreender o que vê diante de si mesmo se “legendado”. Antes porque onde o visitante (e ressalve-se o controvertido sujeito plural abstracto proposto pelo filme) vê o pitoresco, um negro – di-lo o filme – vê Cultura. Não são estátuas, afinal, mas pensamentos escritos em madeira, aliás incompreensíveis para quem os decide expôr (não só para quem os visita, então). A célebre máscara do primeiro plano da casa de La noire de… (1966), de Ousmane Sembène, também fala sobre isto: objecto decorativo para os patrões franceses, peça ou fragmento de cultura e tradição para a empregada doméstica (e, todavia, em Mandabi, também realizado por Sembène, um quadro de máscaras africanas surge, não menos descontextualizado, na casa de um burlão… senegalês). O “Nous ne savons rien” – primeiro e humanista passo na relação com o Outro – proferido por Negroni ecoará três anos depois no “De ce dortoir de briques, de ces sommeils menacés, nous ne pouvons que vous montrer l’écorce: la couleur” de Nuit et Brouillard; e, um pouco mais tarde, no “Tu n’as rien vu à Hiroshima” sussurrado por Emmanuelle Riva… Em todos eles, o abismo na perda da Memória e suas consequências. É esse descaminho da Memória – o esquecimento – que explica o dilema colocado pelo filme, a saber, a contemporaneidade de certas obras pelo gesto de interpelação que colocam ao presente e, simultaneamente, o desconhecimento, a ignorância sobre a sua origem e o seu contexto por parte de quem as observa, i.é, por quem elas é interpelado.