É muito comum que pessoas amigas que, por uma razão ou por outra, se tenham afastado se interpelem - frequentemente em ocasiões passageiras - lamentando mutuamente o facto de que "dizemos sempre que depois combinamos qualquer coisa e nunca o fazemos", para logo de seguida salvaguardar, olhos francos, que "não é por falta de vontade, não é mesmo, mas o tempo passa e esqueci-me".
Ora, isto (o facto de o reencontro não se dever à "falta de vontade") é, muitas das vezes, convém dizê-lo, falso. Geralmente, lembramo-nos desse encontro fortuito e dessa conversa mais "séria" e prolongada apalavrada para a "próxima semana". Só que, pura e simplesmente, não pegamos no telefone, não enviamos o email, não escrevemos uma mensagem com menos de vinte caracteres.
Esta atitude não traduz, contudo, qualquer hipocrisia, sonsice, cinismo, o que seja. Simplesmente, há momentos na vida em que as relações - as que interessam - precisam de respirar de modo próprio, livre, dilatando espaços, datas, encontros, gestos. E isso porque, ganhando vida, se autonomizam, em parte, dos seus autores, passando a gravitar numa esfera particular, com regras e códigos (de sedução, de tolerância, de dependência) próprios. O facto de uma relação conhecer este tipo de atribulações ("fases", em português escorreito) não revela nenhuma perversa "funcionalidade" ou "instrumentalidade"; não, apenas atesta a sua genuinidade e robustez. Em lado nenhum está escrito que as amizades, aquelas que o tempo não contabiliza - novamente: as que interessam -, devam viver sempre em esfuziante piloto automático: intensas, plenas, prolixas.
As relações, as amizades, são como um organismo vivo: alimentam-se, exercitam-se, respiram, repousam, renovam-se, reencontram-se. Forçar ou violentar qualquer uma destas funções vitais, ainda que num aparente ímpeto de bonomia, é desrespeitar a natureza das coisas. A nossa e a dessa esfera particular que só aos afectos pertence.