segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

2016 - Cinema



A lista de 2016 do À pala de Walsh ali ao lado (clicar). A minha aqui:


1. L’avenir de Mia Hansen-Løve
2. Love de Gaspar Noé
3. Julieta de Pedro Almodóvar
4. Saul fia de László Nemes
5. Elle de Paul Verhoeven
6. L’ombre des femmes de Philippe Garrel 
 7. The Lobster de Yorgos Lanthimos
8. Victoria de Sebastian Schipper ex aequo com A Toca do Lobo de Catarina Mourão
9. Bacalaureat de Christian Mungiu ex aequo com Nocturnal Animals de Tom Ford
10. Arrival de Denis Villeneuve ex aequo com Café Society de Woody Allen


Em anos anteriores, chego sempre a este momento com a impressão de uma colheita fraca, até ao momento em que, depois de consultar o que passou nas salas (ou, mais rigorosamente, o que consegui ver), mudo de opinião. Desta feita, infelizmente, tal não aconteceu e a sensação que me fica é mesmo a de que este foi, de facto, e com excepções, um ano mediano. Mia Hansen-Løve é, talvez, @ cineasta que, nos tempos que correm, mais me comove a cada filme, a um ponto tal que chega a ser incómodo – esse ponto em que, durante o filme e, sobretudo, depois dele, colocamos toda a nossa vida em perspectiva (como tentei explicar aqui ). Com o “escândalo” de Love em segundo lugar estou muito confortável, e, para quem estiver interessado, pode encontrar as minhas considerações sobre o filme ali ao lado. Noutro plano, um das grandes descobertas do meu ano cinematográfico foi Vincent Macaigne, actor e realizador francês a quem dediquei este texto. 2016 foi, ainda, o ano de Marine Vacht, não apenas porque a vi em sala (no medíocre Belles Familles), mas porque todos os anos são de Marine Vacth – o meu contributo para o dossier E ELAS CRIARAM CINEMA é sobre ela. Aloys, que não estreou em sala mas foi exibido no FEST, e sobre o qual escrevi nesta casa, é o primeiro (sim, primeiro, leram bem) e tocante filme de Tobias Nölle, história de um “lobo solitário” mais inofensivo do que uma mosca e cujo único “acto de terrorismo” é espiar os outros em busca de algum afecto (como se vê, matéria cinéfila com pano para mangas) – não fosse o critério de exibição em sala e estaria no meu top 3.

Outros filmes interessantes que apanhei em festivais (entre Indie Lisboa, Fantasporto, Curtas Vila do Conde, FEST e Porto/Post/Doc): La Californie (2015, Charles Redon), Dom Juan & Sganarelle (2015, Vincent Macaigne), Une histoire américaine (2015, Armel Hostiou), Before the Rain (1994, Milcho Manchevski), Alisa in Warland (2016, Alisa Kovalenko e Liubov Durakova), Severed Garden (2015, de Gonçalo Almeida) (curta), Por Diabos (2015, Carlos Amaral) (curta), Raving Iran (2016, Susanne Regina Meures), No Cow On The Ice (2015, Eloy Domínguez Serén), Flotel Europa (2015, Vladimir Tomic).

Crítica ípsilon - "4 Your Eyez Only"



Para as vossas leituras de Natal: a minha crítica no ípsilon da última sexta-feira (onde há muita e boa coisa para ler) ao "4 Your Eyez Only", a bela prenda que o J.Cole nos deu a todos já no final do ano.
Outra entrada directa no meu ano de 2016, com a particularidade de "She's Mine Pt.1" ser mesmo, talvez, "a" canção.

«“Ain't no way to live, do I wanna die? / I don’t know…!”. Esta é a interrogação capital que dá mote e perpassa o disco, toda uma reflexão em torno da existência e do desejo de viver, sobretudo daquilo que fortalece este último: o amor (...), a partilha, uma nova vida (a recém-nascida filha de Cole, de quem são, provavelmente, os “Your Eyez” do título do álbum). A resposta-superação virá na lindíssima “She's Mine Pt. 1”, talvez o melhor momento do álbum (...) e no qual Cole, cantando para a mulher e para a filha (numa bela ilustração de como as mesmas palavras podem servir uma só ideia de amor), diz ao mundo, agora sereno e calorosamente, “I never felt so alive…”».

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Obsessão a quanto obrigas ou L’homme qui aimait Marine Vacth



Estas coisas do coração ou se dizem como elas são ou não se dizem; para meias palavras, mais vale ficar calado...
 
Ponham os olhos neste nome e neste rosto: Marine Vacth. É o meu contributo (que podem ler aqui) para o riquíssimo dossier E ELAS CRIARAM CINEMA concebido pelo À pala de Walsh.
 
 
"Repare-se que não é só o realizador que, dirigindo a actriz a partir do argumento, faz dela uma personagem misteriosa; o que pretendo aqui avançar é a possibilidade de a actriz Marine Vacth ir mais além do que o argumento, inclusivamente passar “por cima” do realizador – a possibilidade de a esfíngica Marine colocar, por sua própria iniciativa, (ainda mais) sombra na luz, dúvida na certeza, mistério na evidência. No fundo, e tal como aludi lá em cima, a hipótese de Marine levar Ozon a fazer o que Huppert levou Verhoeven fazer: “Vi-a acontecer e filmei”".
 
[Excerto]

Crítica ípsilon - "Awaken, My Love!"

 
 
No ípsilon da última sexta, escrevo sobre Awaken, My Love!, maravilhoso álbum do Childish Gambino com entrada directa no meu 2016. Uma preciosidade.
 
Disponível também on-line ali ao lado (clicar).
 
"Falámos em Clinton, mas (...) talvez até seja o nome de Bootsy Collins (baixista, originalmente) a grande referência aqui, ora nos falsetes, na manipulação da voz, ora, enfim, no humor psicadélico. Não por acaso, “I’d Rather Be You” (...) é samplada em “Redbone” (como, já agora, Tupac também a samplou em “I’d Rather Be Your N.I.G.G.A.”), bela canção de orgulho e ciúme sobre o amor como “armadilha”, e que traz igualmente para cima da mesa a inegável influência de Prince no aprimorar de um funk mais moderno casado com a pop e o disco".

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

true colors

 
A Playlist de Novembro da equipa do Rimas e Batidas está recheada de excelentes escolhas. Eu perdi a cabeça e escrevi sobre a "True Colors" do The Weeknd (do novo álbum "Starboy") como se não houvesse amanhã.
 
***
 
 
"“True Colors” é o nome do álbum de Cyndi Lauper de 1986, assim como do primeiro – e famosíssimo – single daí saído (curiosidade: foi a única canção do álbum escrita por Lauper). Phill Collins fez-lhe uma pindérica cover para o seu …Hits de 1998, oferecendo, assim, uma das mais irritantes músicas que nesse ano passou na rádio portuguesa (já agora, grande lata: fazer uma compilação de hits supostamente seus e depois enfiar lá o hit de um terceiro. Hita-se!). Mas não é por nada disto que escrevo, antes pela “True Colors” que integra Starboy, o novíssimo álbum de The Weeknd. Nos álbuns que vem lançando, o canadiano nunca me preenche totalmente as medidas, ou, dito de outra forma, é alguém que sempre ponto sem nó. Explicando: é capaz de fazer música que aprecio muito e, depois, borrar a pintura toda com coisas chungas e de mau gosto. Este Starboy não foge à regra: aos momentos mauzinhos de “Die For You” ou “All I Know” (entre outros, são vários) contrapõem-se chocolatarias como “Sidewalks” (Kendrick Lamar a destrambelhar o beat todo com a sua métrica selvagem de uma forma que me lembrou a sua participação na “Blessed” de Schoolboy Q), “A Lonely Night” ou, Guylian dos Guylian, “True Colors”. À data que escrevo, a máquina promocional por detrás de Weeknd tem-se encarregado, muito diligentemente, de apagar todos os clips da faixa no YouTube, pelo que, caso o estimado leitor não possua Spotify (é o meu caso), ficará lamentavelmente afastado desta preciosidade ultra-romântica. Balada do R&B contemporâneo, sem dúvida, mas com um inegável sabor desse mesmo género nos anos 80, com toda a irresistível pieguice da época. “Bem piroso e lamechas como o amor deve ser: verdadeiro” – lembram-se do Pacman dizer isto? A letra de “True Colors” concentra a essência da melhor e mais intemporal pop: a capacidade de, em poucas e simples palavras, falar, com um alcance profundo e genuíno, sobre um assunto que, desde os primeiros hominídeos, nos apoquenta e nos causa as mais dissonantes emoções. No caso, o momento em que nos apaixonamos e, por curiosidade, obsessão ou medo, queremos saber o passado, a “verdade” (as tais true colors) da pessoa que amamos. Sabemos todos que isso é um erro, que todos têm direito ao seu passado (por mais negro que seja), que há coisas que, invariavelmente, não iremos gostar de saber – “Every saint has a past and every sinner has a future”, foi o Oscar Wilde que o disse. Mas a curiosidade é, para citar muito descontextualizadamente o Jorge Palma, “uma besta que dá cabo do desejo”, e, por isso, não aguentando o mistério do desconhecimento, o curioso bem pode estar, sem o querer, a colocar os primeiros pregos no caixão daquele amor. “These are confessions of a new lover” é, talvez, a melhor linha da canção. Chapeau, Mr. Tesfaye".

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

NÃO CONSEGUES CRIAR O MUNDO DUAS VEZES



Primeiro teaser de um filme realizado por mim e pela Catarina David. Som de Pedro Sancho Pires.


“NÃO CONSEGUES CRIAR O MUNDO DUAS VEZES”, um documentário de Catarina David e Francisco Noronha.

A história e a memória do Rap do Porto: uma viagem no tempo pela cidade, os seus lugares e as suas gentes. Os princípios só existem uma vez.


“YOU CAN'T CREATE THE WORLD MORE THAN ONCE”, a documentary by Catarina David and Francisco Noronha.

The history and memory of Porto's Rap music: a journey through time in Porto, its places and its people. Begininnings only happen once.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Artes Entre As Letras #15 - Crítica de cinema



No último número do Artes Entre As Letras, escrevo sobre O Exame, de Cristian Mungiu, um dos melhores filmes que 2016 nos deu (é uma versão mais extensa do texto que escrevi para a Medeia Magazine, pág. 3).

***

Depois do brilhante Para Lá das Colinas (2012), que escolhemos mesmo como o melhor filme estreado por cá em 2013, Mungiu “desce” de Deus e do cimo dos montes para a realidade terrena do dia-a-dia de uma família romena em desintegração acelerada. O olhar sociologicamente perscrutador de Mungiu – partilhado pelos seus colegas da chamada “nova vaga” romena (Cristi Puiu, Corneliu Porumboiu, Radu Muntean, só para citar alguns), importantíssimo movimento surgido nos primeiros anos deste século – mostra-se mais aguçado do que nunca, sem embandeirar, porém, em statements políticos fáceis nem se preocupando em encontrar vítimas ou culpados numa qualquer lógica de “bem e mal”, nos seus filmes e nas suas personagens ecoando sempre a célebre e renoiriana afirmação de que “Chacun à ses raisons”.

Como em todos os filmes do romeno, cada acontecimento narrativo é uma caixa de pandora imprevisível que, numa lógica matrioska, vai espoletando uma série de acontecimentos subsequentes e que se influenciam reciprocamente sem que as personagens os consigam controlar, antes se vendo na necessidade de remediar consequências não desejadas e apagar as pontas soltas. É a partir do incidente com Eliza, a filha de Romeo, que um conjunto de eventos se precipita e faz entrar definitivamente em erupção todos os problemas e mal-entendidos adormecidos daquela família “à beira de um ataque de nervos” – da família mas não só, pois os seus problemas estão intrinsecamente ligados aos de toda uma sociedade ou, se quisermos, de uma “grande família” chamada Roménia (a teia de acontecimentos “familiares” a formar-se, entrecruzadamente, com a teia da corrupção na escola, no hospital, na polícia).

Um dos maiores pontos de interesse do cinema de Mungiu é o modo como os seus filmes se alicerçam sempre num princípio de, digamos, “dúvida metódica”: nem as personagens, nem o espectador têm alguma vez a certeza absoluta dos factos e das motivações de cada um, por mais que os dispositivos “de investigação” até sejam colocados em cena, e esse é o trick irónico e deveras inteligente utilizado pelo romeno (exemplo paradigmático é o print screen que Romeo pede aos polícias, cinefilamente evocador do Blow-Up de Antonioni). Dúvida, essa, que naturalmente adensa o mistério em que os seus filmes nos submergem e que jamais nos deixa: donde vêm (ou para… onde “vão”?), afinal, aquelas pedras (com uma eventual ressonância bíblica)? E terá a atitude de Matei (o filho de Sandra) na cena com Romeo no parque alguma a coisa a dizer sobre isso?

Em registo realista paredes-meias com o melodrama, a realidade particular da família de Romeo funciona apenas como o “laboratório” para uma reflexão mais abrangente sobre a sociedade romena, os seus ressentimentos, os seus complexos, os seus anseios. No caso, e mais do que o papel dos pais na educação dos filhos, o romeno capta a visão descrente de uma geração (a dos pais de Eliza, que é, note-se, sensivelmente a mesma de Mungiu…) sobre uma Roménia pós-comunista mais rica e justa, uma total desesperança de que ainda é possível mudar algo para melhor quando eles próprios (a geração de Romeo) não o conseguiram (e, pior, se renderam ao estado das coisas). Daí o “ir para fora”, a “Europa” (perspectiva interessante que nos faz lembrar a nós, europeus, como, apesar de tudo, ainda vivemos num local bem agradável) e os “Kensington Gardens” do “primeiro mundo” que Romeo não se cansa de lembrar à filha, de a fazer ver como o seu país “não é para novos” (pressão já explorada em filmes como Occident ou Para Lá das Colinas).

Mas, uma vez mais, a dúvida: será unicamente pelo futuro da filha que Romeo deseja a sua partida ou não será apenas essa a forma de arrumar o assunto familiar e começar, finalmente, uma nova vida com a amante? At the end of the day (e, não sendo um dia, o filme passa-se em pouco mais do que isso), todos fazem o seu exame, todas passam por testes e provas de resistência, sendo que, para Mungiu, e ao contrário do que se ouve Romeo dizer à filha, os resultados são aquilo que menos interessa. O Exame é um dos grandes filmes de 2016.



Boi Neon (G. Mascaro)
★★★
Cafe Society (W. Allen)
★★★
O Ornitólogo (J. P. Rodrigues)
★★★
O Bosque de Blair Witch (A. Wingard)
★★
Tão Só o Fim do Mundo (X. Dolan)
A Toca do Lobo (Catarina Mourão)
★★★★
O Exame (C. Mungiu)
★★★
Arrival (D. Villeneuve)
★★
Victoria (S. Schipper)
★★★
Elle (P. Verhoeven)
★★★

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Regresso ao Futuro #2: Los Angeles




No REGRESSO AO FUTURO de ontem na Antena 3, fomos até Los Angeles na companhia das encantadoras The Teen Queens e do "chicano" Kid Frost, de quem ouvimos os seus LP’s Eddie My Love (1957) e East Side Story (1992), respectivamente.

Podem ouvir tudo no podcast abaixo, a partir dos 53m39s. We’re sending you back… to the future!
 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Regresso ao Futuro - HOJE





O segundo episódio do REGRESSO AO FUTURO é emitido mais logo à noite na Antena 3, entre a 1h e as 2h da manhã.

Iremos até Los Angeles aconchegar-nos com o calor da soul dos anos 50 e do hip-hop dos anos 90. Até lá, podem ouvir o jingle de abertura. We're sending you back... to the future!

domingo, 27 de novembro de 2016

Actualizar a casa



Ora bem, aqui fica uma actualização dos últimos dias:

- Reportagem sobre o concerto-patuscada de apresentação de Cimo de Vila Velvet Cantina, o novo álbum dos Corona, para o Rimas e Batidas (aqui);

- Três textos sobre outros tantos filmes que escrevi para o Porto/Post/Doc, que se iniciou hoje (1, 2 e 3);

- Crítica no ípsilon / Público da passada sexta-feira a Black America Again, o último e excelente álbum de Common, um dos meus heróis de juventude (acolá).

domingo, 20 de novembro de 2016

Crítica - "Cimo de Vila Velvet Cantina"



No ípsilon da última sexta-feira, escrevo sobre "Cimo de Vila Velvet Cantina", o terceiro álbum do Conjunto Corona. Uma grande pândega que, se ainda não conhecem, devem conhecer.

A crítica também pode ser lida on-line aqui (clicar). o álbum audível ali ao lado (clicar).

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Crítica - "Toda a Gente Pode Ser Tudo"



Hoje escrevo no ípsilon sobre o Toda a Gente Pode Ser Tudo, o novíssimo álbum de NBC e um dos melhores que a música portuguesa nos deu este ano.

Bom proveito.

[Errata: na p. 29, onde se lê "conotados com o rap contemporâneo", deve ler-se "conotados com o TRAP contemporâneo"]

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Crítica - "Se Eu Fosse..." (2012)



Se vos dou dose dupla de Virtus, é porque o homem é realmente bom (novo eufemismo). Há concerto esta sexta-feira no Plano B, no Porto.
 
Até lá, a republicação da minha crítica (clicar),  originalmente de 2012, a um magnífico álbum de hip-hop exclusivamente instrumental, a soar hoje tão bem ou ainda melhor do que quando foi editado.
 
 
«O título do disco completa-se com o título de cada uma das faixas, resultando no desejo naïf de Virtus em ser, por exemplo, “Manhãs de 90”, “Tentação”, “Pugilista” ou “Suspiro”. E por aqui já se vê o ambiente de nostalgia (soul music, pois claro) que perpassa todo o álbum, onde parece a todo o momento que estamos de volta a um qualquer passado, a um tempo remoto mais belo, mais doce – a infância (e Virtus é um ser “peterpanesco”, como já se sabia de “Outros Modos” e como o artwork deste álbum o comprova), naturalmente, mas também os primeiros amores (“Quase nós”), os primeiros sonhos e as primeiras frustrações. De resto, esta sensação back in the days está chapada em muitos dos títulos das faixas: “Manhãs de 90”, “Outra vez Primeira vez”, “Um regresso”, “O tempo”».
 
(Excerto)

Crítica - UniVersos (2012)




Nem tudo é mau. Há o UniVersos (2012), por exemplo, o álbum do Virtus editado em 2012.

O porquê de eu o ter em tão boa conta (eufemismo) podem encontrar logo nos primeiros parágrafos deste artigo (clicar), que republica a crítica que escrevi em 2012.
 
 
Quando se pensou na republicação desta crítica aqui no Rimas e Batidas (originalmente publicado no site Rua de Baixo, em 2012), cheguei a equacionar reformulá-la. Mas não, decidi não o fazer (exceptuando pormenores de ordem formal): as coisas – as memórias, os gostos, os gestos – têm o seu tempo e, se aconteceram de determinada forma, é dessa forma que devem ser preservadas, para o bem e para o mal (motivo pelo qual ficam desde já ressalvadas quaisquer desactualizações).
 
UniVersos, quanto a mim um dos mais importantes discos da música portuguesa da última década (e se emprego este tom generalizante, é absolutamente propositado), já completou quatro anos. Muitas vezes, perguntam-me que razões encontro para o álbum ser pouco ou nada falado a sul do país (tenho muitos e bons amigos  dessas paragens ouvintes de rap que o desconhecem em absoluto). Duas, talvez: o facto de que, em 2012, o hip-hop não estava, nem de perto nem de longe, “a bater” como hoje (meu deus, como as coisas mudaram em apenas quatro anos…); depois, porque Virtus e o seu rap são “de outro tempo”, i.e., não se alimentam de “likes”, “hashtags” e “visualizações”. Os beats e, sobretudo, as letras de Virtus são matéria sensível, cuja apreciação exige tempo, atenção, reflexão. Por isso, caro leitor, se não tem tempo, não vá por aqui, não vale a pena.
 
Hoje, se me debruçasse sobre a mesa, faria uma crítica completamente diferente da que então escrevi, quer na forma, quer, sobretudo, no conteúdo (designadamente, não traçaria um paralelo, em termos liricais, entre Virtus e Sam The Kid). Não só porque, em 2016, sou necessariamente uma pessoa diferente da que era em 2012 (e, naturalmente, penso e escrevo igualmente de outra forma), mas, também, porque hoje escuto e olho para UniVersos de outro ângulo, naturalmente mais amadurecido em virtude das múltiplas – coloquem o símbolo do infinito como expoente – audições que fiz do álbum nos mais variados contextos: em casa, na rua, no carro, no comboio; sozinho ou com outros apreciadores (Tavares, quantas noites por baixo do prédio a escutar e a reflectir em conjunto pela madrugada fora…); mostrando-o a pessoas que não conheciam ou que nem sequer são consumidores de hip-hop; no Porto, em Lisboa, no estrangeiro; numa tarde quente de praia ou numa sombra junto ao rio no Gerês… UniVersos é, juntamente com Pratica(mente) (e esta coincidência não há-de ser puro fruto do acaso…), o disco que mais escutei na minha vida.
 
Volto ao início: mas não. Quero que, hoje, quem ler esta crítica a leia como eu na altura senti o disco, com todas as virtudes e defeitos daí decorrentes. Ainda sobre o paralelo com Sam The Kid: compreendo agora que, à data, só o fiz porque, dentro das minhas referências pessoais, era o único nome do hip-hop português que eu encontrava para, utilizando o efeito reverencial da citação, provar a grandeza de Virtus e chamar a atenção dos mais distraídos. Todavia – e um crítico devo ter isto sempre presente –, é sempre a música que fala acima de todo e qualquer exercício analítico, é sempre a música que está primeiro. Por isso, nenhuma crítica deste mundo ilustrará melhor a erudição, o autorismo, a poética e o génio de Virtus do que a sua obra – algo que a classificação que aqui lhe atribuo, a primeira que alguma vez na vida dou a um disco, procura atestar. UniVersos, Uni-Versos, União de Versos: se é certo que é no recato de casa que se digerem verdadeiramente as grandes obras, que isso não impeça ninguém de ouvir o concerto-“despedida” do álbum no dia 11 de Novembro, no Plano B, no Porto. Sim, despedida, porque 2017 está aí à porta e Virtus trará, tudo indica, novidades das boas.
 
***
 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Crítica - "O Ornitólogo"



A minha crítica a O Ornitólogo, o último filme de João Pedro Rodrigues, já pode ser lida no À pala de Walsh (clicar). Aproveitem, o filme ainda está em sala.

"O tema da metamorfose, eixo central da sua obra desde o estrondoso O Fantasma, é novamente posto em cena no seu último filme, aqui ao ponto literal de, efectivamente, se dar uma transformação (já não, portanto, apenas como metáfora), uma milagrosa “mudança de pele”, no caso, de um homem em carne e osso que se volve em santo (a segunda convocação do padroeiro de Lisboa na obra de JPR depois de Manhã de Santo António, 2012). E metamorfose, também, ao ponto extremo de esta veicular uma certa dimensão meta-cinematográfica, no sentido em que envolve o realizador, JPR ele mesmo, nesse processo transformativo (...)".

(Excerto)


domingo, 30 de outubro de 2016

domação



(O Touro Enraivecido, 1980, Martin Scorsese)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Artes Entre As Letras #14 - Crítica de cinema



O último número do Artes Entre As Letras saiu ontem para as bancas, e nele escrevo sobre o Julieta (de que gostei muito) e o Fogo no Mar (assim assim). Bons filmes.
*
Julieta (2016), Pedro Almodóvar ★★★
É, definitivamente, o regresso de Almodóvar à sua boa forma, não ainda àquela que fez dele um dos mais importantes cineastas contemporâneos (por filmes como Carne trémula ou Todo sobre mi madre), mas indubitavelmente carregando as marcas do seu melhor cinema (para contrabalançar, a música, quase sempre em registo jazzístico, está perfeitamente desajustada do tom do filme).
A partir de contos da nobelizada Alice Munro, aqui adaptados para a história de uma mulher cuja filha desaparece sem deixar rasto, somos de novo imersos no vibrante universo almodovariano: personagens de carne e osso, complexas, cheias de mistérios (Marian, a empregada de Xoan, por exemplo) e assombrações (num trocadilho cinéfilo, poder-se-ia aqui citar o Julieta dos Espíritos de Fellini); a atenção aos pormenores, narrativos ou visuais, que vão ressoando simbolicamente ao longo do filme; a atmosfera chabroliana de tensão e de que algo adormecido – e trágico – pode despertar a qualquer momento; enfim, a elevação do melodrama a um género poderosíssimo (algo desde sempre favorecido pelas cores e temperaturas quentes dos seus filmes) em que as personagens, nas suas vidas “normais” e aparentemente comezinhas, se transcendem (numa palavra: bigger than life).
Falámos em Chabrol, mas é óbvio que Almodóvar sempre teve igualmente uma costela hitchockiana, desde logo na obsessão por personagens interpretadas por mulheres e pelas suas multiplicidades, dissimulações, desaparições. Se um título como The Lady Vanishes (filme de Hitchcock de 1938) é literalmente transponível para a personagem da filha de Julieta, Vertigo ecoa, indisfarçavelmente, no desdobramento de Julieta (loira como Kim Novak) em “duas” mulheres, correspondentes aos períodos “pré” e “pós” desaparecimento (e quão simples, mas poderoso e comovente, é o momento “transformativo” em que se dá essa transição).
Mas hitchockiano, também, pela omnipresença do tema da Culpa, que Julieta carrega penosa e masoquistamente quando nenhum motivo existe para tal (a mesma que o seu pai carrega pela troca da esposa acamada pela empregada mais nova): nem para o suicídio do homem do combóio, nem para a morte pouco ou nada clara do marido, tão-pouco para a partida da filha (e esta é, justamente, a grande opressão da Culpa, a de não nos conseguirmos abstrair e perceber como nada justifica que nos massacremos com determinado assunto). É essa sua característica capacidade de descer – e compreender – aos infernos da alma humana que Almodóvar volta a explorar com uma enorme sensibilidade, fazendo-nos entrar nas vidas de personagens que ficam connosco muito para lá do filme.

Fogo no Mar (2016), Gianfranco Rosi ★★
Aborrecido, árido, desenxabido. Os adjectivos com que muitos (e nós próprios) qualificaram Sacro GRA, o documentário anterior de Rosi e vencedor do Leão de Ouro em Veneza 2013, são transponíveis para a primeira hora do seu último filme (por sua vez laureado com o Urso de Ouro na Berlinale deste ano), no qual o italiano assenta arraiais na ilha de Lampedusa para fazer três filmes: um sobre a tragédia dos refugiados que aí aportam, outro sobre o quotidiano de um miúdo sobrinho de um pescador local, outro ainda sobre um radialista de “discos pedidos”.
Se dizemos “três filmes” é justamente para enfatizar a justaposição demasiado forçada desses três objectos, os quais se funcionam, por si só, muito bem (não tão bem o do radialista, embora se aproveite a música popular italiana, como a que dá título ao filme, que este toca e que serve de banda sonora), nunca chegam a funcionar harmoniosamente em conjunto, mesmo que neles se queira eventualmente ver um retrato da Lampedusa – e, metonimicamente, da Europa – actual, onde eventos tão diversos, tão tragicamente diversos, coexistem a poucos metros uns dos outros. É que, a ser assim, Rosi dá um tiro no pé, pela sugestão que deixa de que, afinal, os dramas de uns não afectam coisíssima nenhuma as vidas de outros, com excepção da do médico (e se se argumentar que esse era precisamente o efeito politicamente pretendido, então porquê filmar, como Rosi filma, o rapaz e o radialista com tamanha ternura e bonomia?).
De qualquer forma, e retomando o que acima dizíamos, na segunda hora do filme, Rosi descola – conscientemente ou não – do registo monolítico e inconsequente (e mesmo “televisivo” ou “de repórter”, de certa forma) e voa, finalmente, para um olhar interessante e enfim cinematográfico sobre os seus (três) objectos. Algumas das mais impressionantes imagens da actual – mas sempiterna – crise de refugiados estão neste filme (que Rosi, porém, jamais se permite de filmar de modo boçal ou gratuito), embora seja nessa imagem simbólica e bem menos explícita que se resume o Trágico: as lágrimas vermelhas, de sangue, que escorrem dos olhos de um refugiado espancado pelo seu opressor, esse fio vermelho que tinge as lágrimas como o fogo tinge o mar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Regresso ao Futuro na Antena 3 - 26 Outubro

 
 
Já podem ouvir aqui (clicar) o podcast do primeiro episódio do Regresso ao Futuro, que passou à 01h00 de hoje na Antena 3. A partir dos 52m44s, com a simpática introdução do Rui Miguel Abreu. O som e a edição são do Pedro Sancho Pires.
 
Toquei e falei sobre o Máscara (2006, Expeão) e o UniVersos (2012, Virtus), dois discos monumentais da história do hip-hop português: o primeiro celebra, actualmente, 10 anos com concertos ao vivo; do segundo realizar-se-á um concerto de "encerramento" no dia 11 de Novembro no Plano B, no Porto.
 
We're sending you back... to the future!

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

"Regresso ao Futuro" na Antena 3

 
 
A partir da próxima semana, e em todas as últimas quartas-feiras do mês, tomo conta da segunda hora do programa de rádio Rimas e Batidas na Antena 3, com uma nova rubrica a que dei o nome de Regresso ao Futuro. Comigo a pilotar este carro-nave estará o Pedro Sancho Pires, responsável pelo som e edição e a quem agradeço por poder contar com a sua disponibilidade e talento. O primeiro “regresso” é já na próxima quarta-feira, 26 de Outubro, entre as 01h00 e as 02h00!
 
Nesta notícia (clicar), explico um pouco mais sobre o programa e a forma que lhe pretendo dar. Já sabem, próxima quarta-feira... apertem os cintos!

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

vermelho de sangue



(Fuocoammare, 2016, Gianfranco Rosi)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

não há mais marés que marinheiros



(Julieta, 2016, Pedro Almodóvar)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

I Wish I Had Someone Else's Face #6: A lei do Desejo é a lei de Lee Remick


 
Fiquei assim meio que obcecado com a Lee Remick no Wild River do Elia Kazan. Como não vivemos no mesmo país, e uma vez que já não se usam cartas, dediquei-lhe a minha última crónica, que ela poderá ler confortavelmente num portátil onde quer que esteja. Do sempre teu, Francisco.
 
 
 
"Wild River é um dos filmes mais subtilmente eróticos da história do cinema – ou, simplificando, um dos mais eróticos filmes de sempre (a subtileza é, em si mesma, uma propriedade erótica). E a esmagadora fatia desse erotismo tem a sua origem e o seu fim no extraordinário rosto de Lee Remick, o qual, até em momentos de angústia e aflição, permanece sempre luxurioso. Sim: até quando sofre, até quando chora (como quando, por exemplo, pergunta a Clift, entre lágrimas mas em tom insinuante, se ele sabe o que Walter lhe fez na noite anterior quando ele se foi embora), Remick é, toda ela, sensualidade, um rosto com tanto de determinação como de submissão (eroticamente falando, claro), de firmeza quanto de rendição".

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Pull out your heart / To make the being alone / Easy


 
 
"Easy", álbum Lanterns (2013). Son Lux.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Sobre "The Divine Feminine"

 
 
O Rimas e Batidas celebra uma marca redonda nas redes sociais e pediu-me um artigo para comemorar a efeméride a partir do número 6. Para mim, foi um bom pretexto para escrever, com prazer, sobre o The Divine Feminine a partir da faixa - já adivinharam - número 6.
 
Para ler aqui (clicar).
 
 
"(...) The Divine Feminine é um soco – dos bons – no estômago dos cínicos, uma chamada à razão, o antídoto perfeito contra a mais viperina gota de cinismo. São 10 canções, 10 cartas de amor – algo raro ou mesmo único num álbum de um rapper – de um tipo completamente apaixonado por uma miúda que compõem um álbum-testemunho de um artista (e do homem por detrás dele) em absoluto estado de graça – com a vida, com a sua arte (e aqui Miller canta mais do que rappa, naquele seu jeito próprio, com a boca de lado, meia fechada), com a sua miúda (embora o álbum tenha começado a ser feito ainda Miller namorava com outra pessoa)".

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes

"Com que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto. Antes dela ir para o colégio, eram tudo travessuras de criança; depois que saiu do colégio, é certo que não restabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a pouco, e no último ano era completa. Entretanto, a matéria das nossas conversações era a de sempre. Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão, uma flor; outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus. Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis; mas eu retorquia chamando-lhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na Lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos. Os que eu tinha com ela não eram assim, apenas reproduziam a nossa familiaridade, e muita vez não passavam da simples repetição do dia, alguma frase, algum gesto. Também eu os contava. Capitu um dia notou a diferença, dizendo que os dela eram mais bonitos que os meus; eu, depois de certa hesitação, disse-lhes que eram como a pessoa que sonhava.... Fez-se cor de pitanga".


Dom Casmurro, Machado de Assis, Guerra & Paz, pp. 34-35.

Artes Entre As Letras #13 - Crítica de cinema


No último número do Artes Entre As Letras, escrevo sobre Milagre no Rio Hudson do Clint Eastwood e o Cartas da Guerra do Ivo M. Ferreira. Bons filmes.

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Milagre no Rio Hudson (2016), Clint Eastwood ★★
A maior virtude do último filme de Eastwood acaba por ser, paradoxal e perversamente, o seu mais evidente defeito. Para alguém que, como nós, foi ver o filme sem fazer a mínima ideia do que ele tratava (muito menos dos factos verídicos em que se baseia), a virtude de que falámos assenta no facto de Eastwood (parecer) deixar a porta sempre aberta, no modo contido mas simultaneamente sugestivo como filma (aqueles planos gerais, silenciosos e misteriosos q.b.), para algo pelo qual nunca chega, afinal, a interessar-se (e é pena, tamanho é o desempenho que Hanks arranca): o lado interior de Sully, os fantasmas e angústias que se advinham e que uma ou outra pista indiciam (as dívidas, a distância da família, a solidão). Durante grande parte do filme, o nome de Andreas Lubitz, o piloto que se suicidou despenhando um avião em plenos Alpes franceses, ocorreu-nos inúmeras vezes à memória (insista-se: não fazíamos ideia do argumento), e a própria interrogação (silenciosa, novamente) de Sully ao longo do filme sobre o que é isso de ser um “herói” nos fez levar a crer que aquele acto (a aterragem de urgência no rio) bem poderia não ser o que pareceu. Mas não: Eastwood dispensa-se de qualquer gesto complexo (algo que, mesmo timidamente, ainda chegou a ensaiar em Sniper Americano, outro laudo ao espírito heróico americano), arreda-se de qualquer problematização “existencial”, preferindo ficar-se, muito pacificamente (banalmente), pela reconstituição fáctica do “dia D” (e só os mais aguerridos defensores de Eastwood conseguirão ver qualidades nas fastidiosas cenas da repetição do trajecto do avião), filmando mesmo já no fim, em registo quase de programa “da tarde”, um reencontro entre os “verdadeiros sobreviventes”. “Preguiça” é a melhor palavra que nos ocorre para descrever tudo isto.

Cartas da Guerra (2016), Ivo M. Ferreira ★★★
Não é novidade para ninguém que é ainda escassa a filmografia portuguesa (autoral ou não) produzida sobre o nosso passado colonial (os títulos mais importantes ainda continuarão a ser Um Adeus Português, Non, ou a Vã Glória de Mandar, Os Imortais ou A Costa dos Murmúrios), sem dúvida por opção dos realizadores e por constrangimentos de produção, mas também porque, como vem sendo sublinhado por muitos historiadores, o próprio país tem ainda dificuldade em olhar-se ao espelho e revisitar, sem complexos ou receios de represálias, esse período da nossa história colectiva. Entretanto, Miguel Gomes surgiu, fulgurante, brilhante, com Tabu (2012); mais recentemente, pelo contrário, em Posto-Avançado do Progresso (2016), Hugo Vieira da Silva, pese embora as boas intenções, não conseguiu convencer na adaptação da obra de Joseph Conrad ao contexto colonial português do século XIX, desde logo pelo desaproveitamento do material visual e fílmico à sua disposição, nunca tirando partido do capital natural (e cinematográfico, et pour cause) da selva africana. Ora, isso é algo que manifestamente não acontece no filme de Ivo M. Ferreira, visualmente quase irrepreensível, seja no apuramento altamente contrastante do preto-e-branco (admirável trabalho de fotografia de João Ribeiro), na iluminação ou naqueles poéticos planos gerais e de conjunto da paisagem angolana. Há momentos realmente brilhantes, como as cenas filmadas no navio saído para Angola (aquele God’s eye view shot sobre o médico a dormitar, os concertos para os recrutas), nas quais o realizador português denota uma noção muito precisa da (elegante) mise en scène que pretende. Sendo um filme “sobre” a guerra colonial, teria sempre que ser, necessariamente, um filme “político”, embora seja no cruzamento da “História” com a história individual e emocional de um médico (Lobo Antunes, então ainda não publicado) destacado para Angola que o filme – e a vida – se faz. A este respeito, um dos principais atributos do filme – a matéria textual das cartas de Lobo Antunes  – acaba por ser, paradoxalmente, um dos pontos fracos mais evidentes, não pelo seu conteúdo, naturalmente (embora as enumeração prolíficas, se bem que literariamente valiosas, sejam por vezes fastidiosas, algo que bem poderia ter sido adaptado para o filme), mas pelo recurso abusivo à leitura em off do texto em detrimento do foco na acção propriamente dita. Com a agravante de, por ricochete, a presença de Margarida Vila-Nova – que não a sua voz, magnífica na leitura, nada fácil, das cartas apaixonadas e angustiadas em doses iguais – se tornar decorativa e despicienda, culpa de quem a dirige e não da própria (nem mesmo como “fantasma”, como fantasia ou perturbação onírica funciona). É esse carácter exacerbadamente epistolar que, nos piores momentos (i.e., enquanto a leitura do texto dura e dura sem alternar com a acção em Angola), retira gravidade e esplendor ao filme, ao que não ajuda a câmara sempre em movimento, o que, por vezes, confere um certo tom ornamental e secundário à imagem por oposição ao omnipresente “som-texto”. Nada disto, porém, impede o filme de Ivo M. Ferreira de ser um digno e meritório objecto cinematográfico, orgulhosamente autoral, e um importante contributo para a preservação da nossa memória colectiva.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

The Searchers




O The Sunchaser, do Cimino, como o The Searchers, do Ford.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

The Divine Feminine




"We" (c/ CeeLo Green), álbum The Divine Feminine (2016). Mac Miller.

Nunca tive um apreço especial por Mac Miller, por nenhuma razão particular que valha a pensa desenvolver. O certo é que, embora venha passando por entre os pingos da chuva, The Divine Feminine é um dos álbuns que melhores recordações deixará este ano, apanhando um artista em absoluto estado de graça. 10 canções, 10 declarações de amor de um tipo completamente apaixonado por uma miúda.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Sopa de Planos - Chapéus / Jacquot de Nantes

 
 
Voltei a co-confeccionar a Sopa de Planos e, desta vez, o meu ingrediente é uma boina, a do Jacques Demy e a que o meu pai me punha em miúdo.
 
 
 
"Morro de amores por Jacquot de Nantes, um dos mais belos filmes de Agnès Varda, um dos mais belos filmes da história do cinema. A última vez que o revi tinha Varda por perto – quer dizer, a umas dezenas de cadeiras ao meu lado –, o que reforçou ainda mais a sensação, que tive desde a primeira vez que o vi, de o filme ser um bocadinho também “meu”, por nele me rever enquanto miúdo. Os meus pais, o meu prédio, as brincadeiras com os meus vizinhos, mas, sobretudo, por esse pormenor sem o qual o meu pai não me deixava sair à rua: a boina. Uma boina orgulhosamente basca que o meu pai me punha onde quer que fossemos, sobretudo nos passeios de bicicleta (nos quais eu dormia abundantemente na cadeirinha de trás) pelos bosques de terriolas perto de Vila do Conde até chegarmos à praia (momento em que o sono desaparecia num ápice). Por isso, o registo biográfico de Demy no filme encontra-se com a minha própria “biografia”, sendo este um dos casos em que o “metermo-nos dentro do filme” (como um dia disse Jean-Marie Straub) não me traz angústias nem ansiedades; alguma nostalgia, sim, mas, acima de tudo, a ideia de que, por vezes, a vida é tão feliz no ecrã como fora dele".