segunda-feira, 30 de novembro de 2015

montanha


(Montanha, 2015, João Salaviza)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

bande de filles

São cinco ou seis adolescentes, saíram da escola para a hora do almoço, sei-o porque andei na mesma escola que elas, mas isso elas não sabem (nem lhes interessa). Estão sentadas numas escadinhas, uns metros depois da saída do supermercado. Comem sandes com o invólucro de plástico ainda por retirar, bebem o sumo de um enorme pacote de litro e meio de marca branca, partilham batatas fritas com voracidade. Vestem roupas de cores e tecidos agressivos, colares grossos pelo pescoço. Uma mão segura na sande enquanto a outra mexe na rede social do telemóvel. Costas curvadas, pernas abertas, despreocupadamente abertas, em postura masculina, quiçá conscientemente. Vão falando, falam alto, e dão gargalhadas. Subo as escadas e passo por elas, que não têm a mínima delicadeza em dar-me espaço para o fazer. Não me importo; aliás, era exactamente isso com que contava e foi por isso que decidi atalhar por aquele caminho, nem era o que me dava mais jeito.

Artes Entre As Letras #5

No número do Artes Entre As Letras que saiu ontem para as bancas, escrevo sobre o Bande de filles (2014, Sciamma) e o Mia Madre (2015, Moretti), dois belos filmes. Como faço menção no final, dedico estas linhas a França, aos franceses e às vítimas dos barbáricos atentados ocorridos a 13 de novembro de 2015, em Paris, por cujas ruas Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg nos fizeram apaixonar para sempre. Contre nous de la tyrannie.


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Walsh #36 Crítica - "Tenho Vinte Anos"



Este mês, e na sequência de outros filmes soviéticos sobre os quais tenho escrito (este ou aquele), atirei-me ao fabuloso Tenho Vinte Anos (1965), de Marlen Khtusiev. Filme-sonho sobre a URSS do período Khruschchev onde, por um instante, tudo pareceu possível (nomeadamente, a liberdade). O filme passa hoje na Cinemateca, no âmbito do ciclo integral Marlen Khutsiev: Um Segredo do Cinema Moderno.
 
 
Se Mne dvadtsat let ecoa os ares mais respiráveis do pós-estalinismo, tal permite a Khutsiev, de modo ora mais explícito, ora mais subtil, filmar as convulsões internas da URSS a partir do locus que realmente (lhe) interessa: as pessoas. Por isso, se, sobre um filme da propaganda estalinista como Chapaev (Georgi e Sergei Vasilyev, 1934), Marc Ferro escrevia que o mesmo “(…) montre que les héros se trompent, que la spontanéité conduit à des erreurs, que les individus meurent, alors que le parti voit juste, qu’il ne se trompe ni ne morte jamais”, então, o filme de Khutsiev representa, justamente, o triunfo da espontaneidade e dos indivíduos. Ou seja, e talqualmente acontecia com Ballada o soldate de Grigoriy Chukhray (cineasta muito admirado por Khrushchev), este é um filme também “político” no sentido em que, por oposição ao titânico (tirânico) projecto transpersonalista soviético, se afirma como radicalmente personalista, algo detestavelmente “burguês” e “individualista” para as autoridades (como se o personalismo, cristão ou laico, não fosse compatível com a ideia de comunidade e de progresso colectivo).
 
[Excerto]

segunda-feira, 23 de novembro de 2015


 
(More, 1969, Barbet Schroeder)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

cobardia

A noite já caiu. A luz que o orientará nos minutos seguintes vem do amarelo torrado dos lampiões da rua. Nunca gostei destes lampiões, pensa para si próprio, num raro momento de distracção interior. Quando visitou a terra dos pais, viu alguns lampiões semelhantes. Na altura, disseram-lhe ser do tempo colonial, mas isso agora não interessa. O último carro passou e aproveita a oportunidade para atravessar a rua. O café que lhe indicaram é este. Sim, é este, tinha estas letras e estas cores nas fotografias que viu no computador na noite passada. Ao contrário dos restantes, não chegou a tempo de poder ir ver o alvo ao vivo. Vislumbra algumas, poucas, pessoas na esplanada, mas não consegue distinguir rostos. Melhor assim. Para dentro do café, por enquanto, nada vê. Empunha a metralhadora e começa a disparar, enquanto mantém o passo firme em frente. A esplanada esvazia-se num ápice. Consegue distinguir o ruído dos seus disparos dos outros que se ouvem uns metros mais ao lado. Excelente, eles também já estão cá, pensa, agora com a coragem reforçada. Avança mais decididamente. Com a proximidade do café, sente os primeiros estilhaços no corpo. Algo fica preso na barba. Dispara durante mais quatro, cinco segundos. Agora está mesmo no passeio, em frente à montra do café. Os disparos dos outros já não se ouvem, é o sinal para recolher. Baixa a metralhadora. No interior do café, não vê ninguém. Já devem estar todos mortos. De repente, nota nesta mulher a dois metros de si, de joelhos e mãos na cabeça. Não morreu quando disparei? Porquê, porra? E porquê que não fugiu, então? Bom, disparo agora, então. Empunha novamente a arma ao mesmo tempo que a mulher gira ligeiramente a cabeça e o olha directamente. Corre no rosto dela um medo que ele próprio não se lembra de ter sentido alguma vez na vida, nem mesmo quando andou na guerra contra os infiéis. Ergue ligeiramente a cabeça e olha-a com mais atenção. Baixa a metralhadora e foge. Já vê o carro mais à frente, é uma questão de milésimos de segundo até abrir a porta e sair do local. Sou um cobarde porque não a matei como devia ter feito ou porque matei os outros todos?
 
 
(Mia madre, 2015, Nanni Moretti)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015



(Bando de Raparigas, 2014, Céline Sciamma)

circa 1143




"Circa 1143" (não editado, 2015). Baked Donuts.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Valls está rodeado de seguranças e polícias, um círculo de segurança que o acompanha enquanto se acerca do local dos acontecimentos. Um homem desgraçado, aos gritos, anda em parafuso nas suas imediações, tentando dizer algo não se percebe a quem, tentando dirigir-se não se sabe aonde. Consegue chegar mais perto. É a Valls que se dirige. Está a coisa de um metro do círculo de segurança. Ouve-se uma palavra. "Filha". Agora, mais nitidamente, percebem-se outras duas. "A minha filha". Um estremecimento percorre aquele micro-espaço separado do mundo onde apenas existem Valles, os seguranças e o homem. E uma câmara da televisão que filma tudo isto. S'il vous plaît, diz Valls, rapidamente, aos seguranças, intimando-os a abrir espaço para que o desvairado homem se aproxime. Valls olha-o com ar agastado, irritado, mal disposto, genuinamente lixado. Mas não é com o homem. A minha filha desapareceu no Bataclan e ninguém me diz se ela está na lista dos mortos, isto não é normal neste país. Valls tenta falar com o homem no calor do momento, embora ambos saibam que nenhum esclarecimento realmente útil resultará daquela conversa. Provam da impotência que a rapariga e os restantes sentiram perante os homens que, horas antes, haviam dizimado tudo quanto mexia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

and after that, we didn't talk



Álbum And After That, We Didn't Talk (2015). GoldLink.
Costuma-se dizer que deitar abaixo um edifício (literal e não literalmente falando) é sempre mais fácil do que o construir. Com Paulo Cunha e Silva, o trabalho de recuperar e erguer a cultura no Porto pareceu, pela primeira vez, negar essa ideia feita. A cidade e o país ficam-lhe com uma dívida gigante, cuja única forma de saldar é cumprir com todo o seu programa para a cidade e aproveitá-lo como modelo a replicar noutros contextos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O João Pedro da Costa tem vindo a assinar uma excelente historiografia da presença e importância do videoclip no mundo do hip-hop (e vice-versa), que hoje conheceu o seu oitavo e último capítulo. As escolhas são, obviamente, discutíveis, sê-lo-iam sempre, mas isso é um dos próprios aspectos interessantes deste trabalho. Ainda assim, aquele que é um dos meus videoclips preferidos de sempre (este), realizado pelo Spike Jonze, não podia deixar de lá estar - e está.
 
Para ler, ver e ouvir no Rimas e Batidas (clicar).

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Regresso ao Futuro



Há muitos apontamentos políticos – não chegaria a dizer um “subtexto” político – em Regresso ao Futuro (de que o mais flagrante será a genérica "inimização" da Líbia, enquanto abstracta entidade representativa do Mal - na altura, a Líbia, depois o Iraque, o Afeganistão, o Iraque novamente...), mas talvez os mais interessantes, como tantas vezes acontece, sejam os involuntários, como que deslizes ou um "tropeçar no próprio pé" de que não se deu conta e que revela mais do que aquilo que se quis.

1. No filme, Michael J. Fox, pelo meio de várias desventuras, tem a oportunidade – genericamente desaconselhada pelo cientista interpretado por Christopher Lloyd – de "alterar" o passado para, reflexamente, alterar igualmente o futuro, ou seja, o seu presente. J. Fox fá-lo-á, num primeiro momento, para evitar a morte, no "futuro"/presente, de Lloyd, mas, num segundo, ver-se-á forçado a mexer na h/História de forma a evitar que a sua mãe se apaixone por ele próprio, garantindo, assim, que se apaixone antes pelo seu pai, para que tudo siga o normal "rumo dos acontecimentos". O pai de J. Fox é um adolescente introvertido, "nerd" e débil, gozado e escravizado pelo bully de toda uma vida chamado Biff. O Biff do passado, que o obrigava a fazer por ele os trabalhos de casa, é o Biff que, no presente, é o seu superior hierárquico na empresa, dele usando e abusando, e também com quem, muito provavelmente, a sua mulher (mãe de J. Fox) o trai (há, aqui, um certo trauma da mãe “roubada”).

Através de um conjunto de peripécias, na decisiva noite do baile, o seu pai, em vez de se acobardar no momento em que descobre Biff a forçar Linda (a sua futura mulher) a uma coisa que ela não quer (mas que, ironicamente, muito provavelmente não iria recusar com o seu… filho), inesperadamente rebela-se e aplica um competente murro em Biff, para sempre lhe perdendo o medo. Zás, emancipação definitiva, David derrotando Golias.

Com esta freudiana missão cumprida, J. Fox volta ao futuro para o filme poder terminar em beleza. Percebemos, então, como aquela imprevista reviravolta surtiu não menos imprevistos efeitos: tanto a sua mãe como o seu pai estão, ao contrário do que víramos no início do filme (feios, deprimidos, entediados com o casamento, ela gorda e desgrenhada, ele o mesmo "nerd" da juventude), ricos, apaixonados, cool e muito good looking. O pai, agora um escritor renomado, mostra-se particularmente confiante e charmoso. É neste ambiente de autêntico american dream que os pais dizem a J. Fox que poderá ir passar o fim-de-semana com a namorada no seu novo carro (estranhíssimo o facto de agora o dizerem e mesmo incitarem com um enorme à-vontade, por comparação com o início do filme, em que passar a noite fora era, para aqueles mesmos pais, um tabu – o sucesso e a beleza fazem as pessoas mais... liberais?!). O carro, explica o pai, está só a receber as últimas afinações. E de quem? Nem mais nem menos do que Biff, o Biff outrora bully e explorador que é, agora, o desgraçado, saloio e humilde mecânico do pai de J. Fox, o qual zomba, com arrogância e soberba, do idiota que lhe "arranja o carro para o filho" [o pai chega mesmo a comentar com o filho qualquer coisa como "such a character ("personagem") this Biff is..."].

Sim, houve uma alteração no passado com a sublevação do pai frente a Biff - mas por que razão, no futuro, Biff não poderia ter simplesmente desaparecido da vida dos McFly e do próprio filme? Ou ser um tipo qualquer, que "nem aquece nem arrefece" aquela família (ou até, para sermos ingénuos... um amigo da família)? Porque, de facto, é muito americana - e não se veja aqui demonização alguma - essa tendência para medir as interacções humanas por um rígido tipo de padrão, a saber, a relação de forças que se estabelece entre dominadores e dominados, controladores e controlados, entre "gozões" e "gozados", winners e losers. Tudo numa perspectiva vertical, de “altos e baixos”, fortes e fracos, perspectiva "posicional" de resto alimentada, à exaustão, pelo próprio cinema comercial americano – é assim na escola (Harvards e Princetons para uns, tudo-o-resto para outros), na juventude (capitães da equipa de futebol americano e “nerds” informáticos ou intelectuais), na economia e no “empreendorismo” (os Zuckerbergs da Forbes e os "nobodies", os "zés-ninguém"), no “nós” (americanos) e os “outros” (os estrangeiros).

2. E por isso é que – agora talvez não tão inconscientemente assim – Biff estará novamente no olho do furacão em Regresso ao Futuro 2, agora como um velhinho azedo e desgraçado (por ter passado a vida como o bronco que arranja carros à família de J. Fox, precisamente) que, tal como J. Fox no primeiro volume, irá aproveitar a oportunidade de alterar o passado para influir no futuro e fazer-se um homem rico e poderoso, deste modo voltando a inverter, uma vez mais, a relação de forças e a impor a sua lei – a do mais forte, claro, sempre. Assim, o Biff do "futuro" "roubará", novamente, a mãe a J. Fox e, pior, "adoptá-lo-á" - consumação definitiva da referida inversão e da "morte" do pai (também literalmente, já que é  assassinado a tiro, presumivelmente por Biff).
 
3. Num outro plano, não deixa de ser curioso que, na distopia que é a Hill Valey controlada por esse Biff do futuro, cidade escura de crime e corrupção, J. Fox encontre, na casa que outrora fora a sua, na zona que outrora fora a sua (então idílica mas agora degradada), uma família… negra. Como se, no caos e na anarquia generalizada, os negros ocupassem os lugares dos brancos, é dizer, como se uma distopia negra substituísse (e "estragasse") uma utopia… branca. Reaccionário será dizer pouco.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

my girl, talkin' 'bout my girl (2)

À medida que crescemos e nos vamos tornando cépticos (por vezes cínicos, o que é pior) em relação ao amor, mais nos impressionamos, enternecemos, com as grandes provas ou declarações de amor absoluto. Talvez porque reconheçamos nelas isso mesmo - a prova de que.

my girl, talkin' 'bout my girl


(Thomas Wemyss Fulton, The Sovereignty of the Sea (...), William Blackwood and Sons, Edinburgh and London, 1911)