segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

2016 - Cinema



A lista de 2016 do À pala de Walsh ali ao lado (clicar). A minha aqui:


1. L’avenir de Mia Hansen-Løve
2. Love de Gaspar Noé
3. Julieta de Pedro Almodóvar
4. Saul fia de László Nemes
5. Elle de Paul Verhoeven
6. L’ombre des femmes de Philippe Garrel 
 7. The Lobster de Yorgos Lanthimos
8. Victoria de Sebastian Schipper ex aequo com A Toca do Lobo de Catarina Mourão
9. Bacalaureat de Christian Mungiu ex aequo com Nocturnal Animals de Tom Ford
10. Arrival de Denis Villeneuve ex aequo com Café Society de Woody Allen


Em anos anteriores, chego sempre a este momento com a impressão de uma colheita fraca, até ao momento em que, depois de consultar o que passou nas salas (ou, mais rigorosamente, o que consegui ver), mudo de opinião. Desta feita, infelizmente, tal não aconteceu e a sensação que me fica é mesmo a de que este foi, de facto, e com excepções, um ano mediano. Mia Hansen-Løve é, talvez, @ cineasta que, nos tempos que correm, mais me comove a cada filme, a um ponto tal que chega a ser incómodo – esse ponto em que, durante o filme e, sobretudo, depois dele, colocamos toda a nossa vida em perspectiva (como tentei explicar aqui ). Com o “escândalo” de Love em segundo lugar estou muito confortável, e, para quem estiver interessado, pode encontrar as minhas considerações sobre o filme ali ao lado. Noutro plano, um das grandes descobertas do meu ano cinematográfico foi Vincent Macaigne, actor e realizador francês a quem dediquei este texto. 2016 foi, ainda, o ano de Marine Vacht, não apenas porque a vi em sala (no medíocre Belles Familles), mas porque todos os anos são de Marine Vacth – o meu contributo para o dossier E ELAS CRIARAM CINEMA é sobre ela. Aloys, que não estreou em sala mas foi exibido no FEST, e sobre o qual escrevi nesta casa, é o primeiro (sim, primeiro, leram bem) e tocante filme de Tobias Nölle, história de um “lobo solitário” mais inofensivo do que uma mosca e cujo único “acto de terrorismo” é espiar os outros em busca de algum afecto (como se vê, matéria cinéfila com pano para mangas) – não fosse o critério de exibição em sala e estaria no meu top 3.

Outros filmes interessantes que apanhei em festivais (entre Indie Lisboa, Fantasporto, Curtas Vila do Conde, FEST e Porto/Post/Doc): La Californie (2015, Charles Redon), Dom Juan & Sganarelle (2015, Vincent Macaigne), Une histoire américaine (2015, Armel Hostiou), Before the Rain (1994, Milcho Manchevski), Alisa in Warland (2016, Alisa Kovalenko e Liubov Durakova), Severed Garden (2015, de Gonçalo Almeida) (curta), Por Diabos (2015, Carlos Amaral) (curta), Raving Iran (2016, Susanne Regina Meures), No Cow On The Ice (2015, Eloy Domínguez Serén), Flotel Europa (2015, Vladimir Tomic).

Crítica ípsilon - "4 Your Eyez Only"



Para as vossas leituras de Natal: a minha crítica no ípsilon da última sexta-feira (onde há muita e boa coisa para ler) ao "4 Your Eyez Only", a bela prenda que o J.Cole nos deu a todos já no final do ano.
Outra entrada directa no meu ano de 2016, com a particularidade de "She's Mine Pt.1" ser mesmo, talvez, "a" canção.

«“Ain't no way to live, do I wanna die? / I don’t know…!”. Esta é a interrogação capital que dá mote e perpassa o disco, toda uma reflexão em torno da existência e do desejo de viver, sobretudo daquilo que fortalece este último: o amor (...), a partilha, uma nova vida (a recém-nascida filha de Cole, de quem são, provavelmente, os “Your Eyez” do título do álbum). A resposta-superação virá na lindíssima “She's Mine Pt. 1”, talvez o melhor momento do álbum (...) e no qual Cole, cantando para a mulher e para a filha (numa bela ilustração de como as mesmas palavras podem servir uma só ideia de amor), diz ao mundo, agora sereno e calorosamente, “I never felt so alive…”».

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Obsessão a quanto obrigas ou L’homme qui aimait Marine Vacth



Estas coisas do coração ou se dizem como elas são ou não se dizem; para meias palavras, mais vale ficar calado...
 
Ponham os olhos neste nome e neste rosto: Marine Vacth. É o meu contributo (que podem ler aqui) para o riquíssimo dossier E ELAS CRIARAM CINEMA concebido pelo À pala de Walsh.
 
 
"Repare-se que não é só o realizador que, dirigindo a actriz a partir do argumento, faz dela uma personagem misteriosa; o que pretendo aqui avançar é a possibilidade de a actriz Marine Vacth ir mais além do que o argumento, inclusivamente passar “por cima” do realizador – a possibilidade de a esfíngica Marine colocar, por sua própria iniciativa, (ainda mais) sombra na luz, dúvida na certeza, mistério na evidência. No fundo, e tal como aludi lá em cima, a hipótese de Marine levar Ozon a fazer o que Huppert levou Verhoeven fazer: “Vi-a acontecer e filmei”".
 
[Excerto]

Crítica ípsilon - "Awaken, My Love!"

 
 
No ípsilon da última sexta, escrevo sobre Awaken, My Love!, maravilhoso álbum do Childish Gambino com entrada directa no meu 2016. Uma preciosidade.
 
Disponível também on-line ali ao lado (clicar).
 
"Falámos em Clinton, mas (...) talvez até seja o nome de Bootsy Collins (baixista, originalmente) a grande referência aqui, ora nos falsetes, na manipulação da voz, ora, enfim, no humor psicadélico. Não por acaso, “I’d Rather Be You” (...) é samplada em “Redbone” (como, já agora, Tupac também a samplou em “I’d Rather Be Your N.I.G.G.A.”), bela canção de orgulho e ciúme sobre o amor como “armadilha”, e que traz igualmente para cima da mesa a inegável influência de Prince no aprimorar de um funk mais moderno casado com a pop e o disco".

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

true colors

 
A Playlist de Novembro da equipa do Rimas e Batidas está recheada de excelentes escolhas. Eu perdi a cabeça e escrevi sobre a "True Colors" do The Weeknd (do novo álbum "Starboy") como se não houvesse amanhã.
 
***
 
 
"“True Colors” é o nome do álbum de Cyndi Lauper de 1986, assim como do primeiro – e famosíssimo – single daí saído (curiosidade: foi a única canção do álbum escrita por Lauper). Phill Collins fez-lhe uma pindérica cover para o seu …Hits de 1998, oferecendo, assim, uma das mais irritantes músicas que nesse ano passou na rádio portuguesa (já agora, grande lata: fazer uma compilação de hits supostamente seus e depois enfiar lá o hit de um terceiro. Hita-se!). Mas não é por nada disto que escrevo, antes pela “True Colors” que integra Starboy, o novíssimo álbum de The Weeknd. Nos álbuns que vem lançando, o canadiano nunca me preenche totalmente as medidas, ou, dito de outra forma, é alguém que sempre ponto sem nó. Explicando: é capaz de fazer música que aprecio muito e, depois, borrar a pintura toda com coisas chungas e de mau gosto. Este Starboy não foge à regra: aos momentos mauzinhos de “Die For You” ou “All I Know” (entre outros, são vários) contrapõem-se chocolatarias como “Sidewalks” (Kendrick Lamar a destrambelhar o beat todo com a sua métrica selvagem de uma forma que me lembrou a sua participação na “Blessed” de Schoolboy Q), “A Lonely Night” ou, Guylian dos Guylian, “True Colors”. À data que escrevo, a máquina promocional por detrás de Weeknd tem-se encarregado, muito diligentemente, de apagar todos os clips da faixa no YouTube, pelo que, caso o estimado leitor não possua Spotify (é o meu caso), ficará lamentavelmente afastado desta preciosidade ultra-romântica. Balada do R&B contemporâneo, sem dúvida, mas com um inegável sabor desse mesmo género nos anos 80, com toda a irresistível pieguice da época. “Bem piroso e lamechas como o amor deve ser: verdadeiro” – lembram-se do Pacman dizer isto? A letra de “True Colors” concentra a essência da melhor e mais intemporal pop: a capacidade de, em poucas e simples palavras, falar, com um alcance profundo e genuíno, sobre um assunto que, desde os primeiros hominídeos, nos apoquenta e nos causa as mais dissonantes emoções. No caso, o momento em que nos apaixonamos e, por curiosidade, obsessão ou medo, queremos saber o passado, a “verdade” (as tais true colors) da pessoa que amamos. Sabemos todos que isso é um erro, que todos têm direito ao seu passado (por mais negro que seja), que há coisas que, invariavelmente, não iremos gostar de saber – “Every saint has a past and every sinner has a future”, foi o Oscar Wilde que o disse. Mas a curiosidade é, para citar muito descontextualizadamente o Jorge Palma, “uma besta que dá cabo do desejo”, e, por isso, não aguentando o mistério do desconhecimento, o curioso bem pode estar, sem o querer, a colocar os primeiros pregos no caixão daquele amor. “These are confessions of a new lover” é, talvez, a melhor linha da canção. Chapeau, Mr. Tesfaye".

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

NÃO CONSEGUES CRIAR O MUNDO DUAS VEZES



Primeiro teaser de um filme realizado por mim e pela Catarina David. Som de Pedro Sancho Pires.


“NÃO CONSEGUES CRIAR O MUNDO DUAS VEZES”, um documentário de Catarina David e Francisco Noronha.

A história e a memória do Rap do Porto: uma viagem no tempo pela cidade, os seus lugares e as suas gentes. Os princípios só existem uma vez.


“YOU CAN'T CREATE THE WORLD MORE THAN ONCE”, a documentary by Catarina David and Francisco Noronha.

The history and memory of Porto's Rap music: a journey through time in Porto, its places and its people. Begininnings only happen once.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Artes Entre As Letras #15 - Crítica de cinema



No último número do Artes Entre As Letras, escrevo sobre O Exame, de Cristian Mungiu, um dos melhores filmes que 2016 nos deu (é uma versão mais extensa do texto que escrevi para a Medeia Magazine, pág. 3).

***

Depois do brilhante Para Lá das Colinas (2012), que escolhemos mesmo como o melhor filme estreado por cá em 2013, Mungiu “desce” de Deus e do cimo dos montes para a realidade terrena do dia-a-dia de uma família romena em desintegração acelerada. O olhar sociologicamente perscrutador de Mungiu – partilhado pelos seus colegas da chamada “nova vaga” romena (Cristi Puiu, Corneliu Porumboiu, Radu Muntean, só para citar alguns), importantíssimo movimento surgido nos primeiros anos deste século – mostra-se mais aguçado do que nunca, sem embandeirar, porém, em statements políticos fáceis nem se preocupando em encontrar vítimas ou culpados numa qualquer lógica de “bem e mal”, nos seus filmes e nas suas personagens ecoando sempre a célebre e renoiriana afirmação de que “Chacun à ses raisons”.

Como em todos os filmes do romeno, cada acontecimento narrativo é uma caixa de pandora imprevisível que, numa lógica matrioska, vai espoletando uma série de acontecimentos subsequentes e que se influenciam reciprocamente sem que as personagens os consigam controlar, antes se vendo na necessidade de remediar consequências não desejadas e apagar as pontas soltas. É a partir do incidente com Eliza, a filha de Romeo, que um conjunto de eventos se precipita e faz entrar definitivamente em erupção todos os problemas e mal-entendidos adormecidos daquela família “à beira de um ataque de nervos” – da família mas não só, pois os seus problemas estão intrinsecamente ligados aos de toda uma sociedade ou, se quisermos, de uma “grande família” chamada Roménia (a teia de acontecimentos “familiares” a formar-se, entrecruzadamente, com a teia da corrupção na escola, no hospital, na polícia).

Um dos maiores pontos de interesse do cinema de Mungiu é o modo como os seus filmes se alicerçam sempre num princípio de, digamos, “dúvida metódica”: nem as personagens, nem o espectador têm alguma vez a certeza absoluta dos factos e das motivações de cada um, por mais que os dispositivos “de investigação” até sejam colocados em cena, e esse é o trick irónico e deveras inteligente utilizado pelo romeno (exemplo paradigmático é o print screen que Romeo pede aos polícias, cinefilamente evocador do Blow-Up de Antonioni). Dúvida, essa, que naturalmente adensa o mistério em que os seus filmes nos submergem e que jamais nos deixa: donde vêm (ou para… onde “vão”?), afinal, aquelas pedras (com uma eventual ressonância bíblica)? E terá a atitude de Matei (o filho de Sandra) na cena com Romeo no parque alguma a coisa a dizer sobre isso?

Em registo realista paredes-meias com o melodrama, a realidade particular da família de Romeo funciona apenas como o “laboratório” para uma reflexão mais abrangente sobre a sociedade romena, os seus ressentimentos, os seus complexos, os seus anseios. No caso, e mais do que o papel dos pais na educação dos filhos, o romeno capta a visão descrente de uma geração (a dos pais de Eliza, que é, note-se, sensivelmente a mesma de Mungiu…) sobre uma Roménia pós-comunista mais rica e justa, uma total desesperança de que ainda é possível mudar algo para melhor quando eles próprios (a geração de Romeo) não o conseguiram (e, pior, se renderam ao estado das coisas). Daí o “ir para fora”, a “Europa” (perspectiva interessante que nos faz lembrar a nós, europeus, como, apesar de tudo, ainda vivemos num local bem agradável) e os “Kensington Gardens” do “primeiro mundo” que Romeo não se cansa de lembrar à filha, de a fazer ver como o seu país “não é para novos” (pressão já explorada em filmes como Occident ou Para Lá das Colinas).

Mas, uma vez mais, a dúvida: será unicamente pelo futuro da filha que Romeo deseja a sua partida ou não será apenas essa a forma de arrumar o assunto familiar e começar, finalmente, uma nova vida com a amante? At the end of the day (e, não sendo um dia, o filme passa-se em pouco mais do que isso), todos fazem o seu exame, todas passam por testes e provas de resistência, sendo que, para Mungiu, e ao contrário do que se ouve Romeo dizer à filha, os resultados são aquilo que menos interessa. O Exame é um dos grandes filmes de 2016.



Boi Neon (G. Mascaro)
★★★
Cafe Society (W. Allen)
★★★
O Ornitólogo (J. P. Rodrigues)
★★★
O Bosque de Blair Witch (A. Wingard)
★★
Tão Só o Fim do Mundo (X. Dolan)
A Toca do Lobo (Catarina Mourão)
★★★★
O Exame (C. Mungiu)
★★★
Arrival (D. Villeneuve)
★★
Victoria (S. Schipper)
★★★
Elle (P. Verhoeven)
★★★