Nem tudo é mau. Há o
UniVersos (2012), por exemplo, o álbum do
Virtus editado em 2012.
O porquê de eu o ter em tão boa conta (eufemismo) podem encontrar logo
nos primeiros parágrafos deste artigo (clicar), que republica a crítica que escrevi em 2012.
Quando se pensou na republicação desta crítica aqui no Rimas e Batidas (originalmente publicado no site Rua de Baixo, em 2012), cheguei a equacionar reformulá-la. Mas não, decidi não o fazer (exceptuando pormenores de ordem formal): as coisas – as memórias, os gostos, os gestos – têm o seu tempo e, se aconteceram de determinada forma, é dessa forma que devem ser preservadas, para o bem e para o mal (motivo pelo qual ficam desde já ressalvadas quaisquer desactualizações).
UniVersos, quanto a mim um dos mais importantes discos da música portuguesa da última década (e se emprego este tom generalizante, é absolutamente propositado), já completou quatro anos. Muitas vezes, perguntam-me que razões encontro para o álbum ser pouco ou nada falado a sul do país (tenho muitos e bons amigos dessas paragens ouvintes de rap que o desconhecem em absoluto). Duas, talvez: o facto de que, em 2012, o hip-hop não estava, nem de perto nem de longe, “a bater” como hoje (meu deus, como as coisas mudaram em apenas quatro anos…); depois, porque Virtus e o seu rap são “de outro tempo”, i.e., não se alimentam de “likes”, “hashtags” e “visualizações”. Os beats e, sobretudo, as letras de Virtus são matéria sensível, cuja apreciação exige tempo, atenção, reflexão. Por isso, caro leitor, se não tem tempo, não vá por aqui, não vale a pena.
Hoje, se me debruçasse sobre a mesa, faria uma crítica completamente diferente da que então escrevi, quer na forma, quer, sobretudo, no conteúdo (designadamente, não traçaria um paralelo, em termos liricais, entre Virtus e Sam The Kid). Não só porque, em 2016, sou necessariamente uma pessoa diferente da que era em 2012 (e, naturalmente, penso e escrevo igualmente de outra forma), mas, também, porque hoje escuto e olho para UniVersos de outro ângulo, naturalmente mais amadurecido em virtude das múltiplas – coloquem o símbolo do infinito como expoente – audições que fiz do álbum nos mais variados contextos: em casa, na rua, no carro, no comboio; sozinho ou com outros apreciadores (Tavares, quantas noites por baixo do prédio a escutar e a reflectir em conjunto pela madrugada fora…); mostrando-o a pessoas que não conheciam ou que nem sequer são consumidores de hip-hop; no Porto, em Lisboa, no estrangeiro; numa tarde quente de praia ou numa sombra junto ao rio no Gerês… UniVersos é, juntamente com Pratica(mente) (e esta coincidência não há-de ser puro fruto do acaso…), o disco que mais escutei na minha vida.
Volto ao início: mas não. Quero que, hoje, quem ler esta crítica a leia como eu na altura senti o disco, com todas as virtudes e defeitos daí decorrentes. Ainda sobre o paralelo com Sam The Kid: compreendo agora que, à data, só o fiz porque, dentro das minhas referências pessoais, era o único nome do hip-hop português que eu encontrava para, utilizando o efeito reverencial da citação, provar a grandeza de Virtus e chamar a atenção dos mais distraídos. Todavia – e um crítico devo ter isto sempre presente –, é sempre a música que fala acima de todo e qualquer exercício analítico, é sempre a música que está primeiro. Por isso, nenhuma crítica deste mundo ilustrará melhor a erudição, o autorismo, a poética e o génio de Virtus do que a sua obra – algo que a classificação que aqui lhe atribuo, a primeira que alguma vez na vida dou a um disco, procura atestar. UniVersos, Uni-Versos, União de Versos: se é certo que é no recato de casa que se digerem verdadeiramente as grandes obras, que isso não impeça ninguém de ouvir o concerto-“despedida” do álbum no dia 11 de Novembro, no Plano B, no Porto. Sim, despedida, porque 2017 está aí à porta e Virtus trará, tudo indica, novidades das boas.
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