estou ligado a Bertolucci por difusos, transviados caminhos. memórias e afectos de geometria muito variável. ainda adolescente, quando o dito "cinema alternativo” era, julgava eu, “o Tarantino”, o seu nome integrava, juntamente com outros melodiosos apelidos terminados em “-ini”, todo um horizonte que eu sabia existir mas a que, por uma razão ou por outra, ainda não tinha tido a vontade necessária em aceder. mas a consciência da sua existência – pelos VHS dos meus pais que via nas prateleiras, lado a lado com os de um homem qualquer que fazia cinema num longínquo e exótico país chamado "Irão" – era já, para mim, um importante balão de oxigénio. os meus pais “sabiam” (o meu pai ainda hoje se continua a referir ao “1900”, que eu continuo sem ter visto, como uma “obra-prima”; estou para ver isso), logo, eu também poderia vir a saber um dia. em qualquer caso, só viria a ver o famigerado “The Dreamers”, filme obrigatório para as gerações nascidas em 80 e 90 (a par, sei lá, do “Requiem for a Dream” do Aronofsky, outro que continuo sem ver, tudo coisas de que, naquela idade, um tipo ouvia falar como “maradas”), depois de toda a gente, depois, até, creio, de lhe ter visto o “Il Conformista”. e, estou quase certo, também já depois de ter visto os Godards dos 60s (imagine-se, por isso, a minha decepção, a sensação de frouxidão). foi pela mesma altura em que os tais “-inis” já eram sinónimo, para mim, de todo um mítico, belo, passado (do qual faz parte, aliás, o meu cineasta predilecto).
mas a Bertolucci ligo também a faculdade de direito, um professor em particular que, de par com o Visconti, invariavelmente o evocava nas aulas, quase sempre sem sentido algum que não o prazer de falarmos daquilo ou daqueles que amamos (claro que tantos não percebem isto e, então, acto contínuo, toca a chamar o professor de “snob” porque está a falar de uma coisa que um gajo não conhece; está bem, pá), no final de cada aula se despedindo, de juridicamente ilícito cigarro fumegante na mão, com um “Ci vediamo!”. também na faculdade, no cineclube de direito mais concretamente, o “Prima della rivoluzione” foi, por um motivo de que agora não me recordo, um dos pouquíssimos filmes que programámos que não pude ver (ou em que tive de sair a meio). Foi numa sessão especial, vejo agora, com bolo e tudo o mais (nomeadamente, ingenuidade e romantismo):
https://cineclubefdup.blogspot.com/2012/12/sessao-dupla-amor-e-revolucao.html?fbclid=IwAR1dWMs4gk4QA69-Xh1o6Cg3hkBAOG4xcHdEiTLU-mmlFBFhoDDoeIPYEIA
mas a mais espectacular ligação que tenho com Bertolucci é, enfim, da ordem da fixação: tinha-me apaixonado pela Tea Falco (que nome, este, nossa senhora) no “Io e Te” (por falar em ingenuidade e romantismo) e, em 2014, num dos 365 dias mais felizes dos meus últimos anos, no chuvoso dia em que me despedia da I. para apanhar a camioneta para o aeroporto, ela, a Tea, estava ali a 3 metros de mim, cigarro na boca, botifarras e vermelhíssimos lábios. zombie, punk e vampira como no filme do Bertolucci (foi nas mesmas férias em que, ao passar na rua, vi da janela a Stacy Martin num restaurante, mas, neste caso, não me pareceu tão ninfomaníaca como no filme). 10, 15 segundos e oupa, já um pé (o esquerdo, só pode) a subir para a camioneta e olha, adeus Londres. Ci vediamo!